domingo, 20 de julho de 2008

Quatro dias em uma cisterna



Juliana Boechat - estagiária do Correio

Julio Higor Ribeiro dos Santos, 8 anos, viveu quatro dias de agonia. Na última terçafeira, ele caiu em uma cisterna abandonada de aproximadamente 9m de profundidade e 1,5m de diâmetro, na periferia de Luziânia (GO). Dia e noite, implorou por socorro, que só veio na manhã de ontem. Apesar da queda, da falta de comida, de água e do frio, o menino foi resgatado em bom estado de saúde. Ele não sofreu fratura. Deve deixar o hospital hoje, após reidratação.

O acidente ocorreu por volta das 10h do último dia 15, no Lote 8, Rua 59, Quadra 328, do Parque Estrela D’ávila 4. De férias, o menino aproveita o dia para soltar pipas perto de casa. A linha do brinquedo acabou cortada pelo cerol da pipa de outra criança. Julio foi atrás de sua pipa, em uma área de cerrado. Como o terreno estava coberto por mato de quase 1m de altura, ele não viu o buraco e caiu.

Julio bateu o lado esquerdo do rosto no joelho e não conseguiu se segurar nas paredes de barro. Ele ainda tentou escalar a parede lisa algumas vezes. “Eu gritava muito. Dizia que era magrinho e queria um pão, mas ninguém me ouvia. Achei que não fosse mais sair dali”, contou, se recuperando no hospital. O menino não conseguiu dormir e, para amenizar o frio, abraçava o joelho e se cobria com o casaco. “Eu tinha medo dos besouros, grilos e lagartixas”, comentou.

Mãe de Julio, a dona-de-casa Eliete Rapouso do Carmo, 38 anos, deu falta do filho 15 minutos após ele avisar que buscaria a pipa. Eliete estranhou a demora e saiu à procura do garoto. “Olhamos nas cisternas perto de casa e ele não estava em lugar nenhum”, lembrou. No segundo dia de desaparecimento, Eliete registrou ocorrência na 1ª Delegacia de Polícia de Luziânia, acionou o Corpo de Bombeiros e distribuiu panfletos com o rosto do menino em paradas de ônibus e padarias. “Nessas horas pensamos tudo de pior. Mas não desisti. Rezava todas as noites para encontrar meu filho.”

Gritos na mata
Na manhã de ontem, em mais uma busca realizada pela família, a dona-de-casa encontrou uma agente de saúde que trabalha na região. A mulher a levou até uma cisterna escondida pelo mato alto. “Quando ouvi a voz do meu filho dizendo que estava vivo, gritei tanto que fiquei rouca. Era muita felicidade. Só queria abraçá-lo”, contou.

Os parentes do garoto acionaram o Corpo de Bombeiros às 8h48. “Ele estava fraco, sujo, mas passava bem e não tinha fraturas”, disse cabo Wellignton Gustavo Nascimento Monteiro, responsável pelo resgate. Ao descer na cisterna, ainda sem enxergar a criança, o cabo conversava com o menino para mantê-lo consciente. A missão durou cerca de 10 minutos.

O bombeiro fez questão de ir ao hospital à tarde ver como estava o menino. “Ele foi muito corajoso e forte. Estava completamente isolado, em uma mata”, ressaltou o militar. Julio estava bem e planejava o que fazer quando chegasse em casa. “Eu quero abraçar a minha mãe, assistir Chaves (desenho animado) e soltar pipa”, adiantou.

Risco constante
A cistena em que Julio caiu está aberta há quase 10 anos e não foi fechada ontem. A vizinha do lote, Luzia Cristina Pereira Santos, 38 anos, disse ter ouvido gritos de socorro, mas como estava distante, não imaginou que fosse alguém na cisterna atrás de sua casa. “As crianças brincam de pique- esconde no meio do matagal”, contou. Segundo o cabo Gustavo, os bombeiros atendem a pelo menos dois pedidos diários de salvamento de pessoas e animais caídos em cisternas e fossas da região.

Um acidente parecido ao de Julio ocorreu há dois dias no bairro Itapoã 1, em Planaltina de Goiás. Jeferson Ferreira, 13 anos, morreu ao cair em uma cisterna abandonada. Ele e um amigo saíram para soltar pipa em uma área de cerrado, no começo da noite de terça-feira. O garoto perdeu o equilíbrio e despencou no buraco. O Corpo de Bombeiros do Distrito Federal resgatou o corpo no dia seguinte.