sábado, 28 de junho de 2008

ABANDONO sem conforto e segurança

Renato Alves, da equipe do Correio e Juliana Boechat, estagiária do Correio.

A Casa de Apoio à Saúde Indígena (Casai), no Gama, abriga índios que buscam tratamento médico no Distrito Federal, como Jaiya Pewewiio Tfiruipi Xavante, a menina morta quarta-feira. Segundo os hóspedes, o prédio no Km 20 da BR-060 (rodovia Brasília— Goiânia) não oferece conforto e segurança. As instalações são precárias e falta material de limpeza. Os abrigados dormem em colchões e camas velhos e usam banheiros coletivos (para homens, mulheres e crianças), sujos e desgastados. Já os funcionários convivem com corriqueiros atrasos de salários.

A direção do Casai no Distrito Federal e o delegado Antônio Romeiro, da Polícia Civil, não permitiram o acesso da impressa à casa ontem nem entrevistas com os índios abrigados. Mas o Correio esteve no albergue no fim de 2007 e no início deste ano e conversou ontem com funcionários da casa e acompanhantes dos indígenas. Eles relataram ser comum conflitos entre etnias. A segurança é feita por três vigilantes, um por turno. Há duas enfermeiras durante o dia e duas à noite.

Uma índia camayurá que veio visitar o pai abrigado na Casai do DF, contou que ele pediu para ir embora por causa das péssimas condições do prédio. “Ele tem pressão alta e catarata. Reclamou que não suporta o frio. Na aldeia, acende fogueira ao lado da rede. Aqui, não tem jeito. Passei uma noite lá (no Casai). Dormi em um colchão furado, sem cobertor”, reclamou a índia. Ela contou ainda que esteve hospedada na casa, anteriormente, por dois anos. “Antes, era melhor. Agora, é sujo e não tem faxineira.”

Moradora de uma aldeia de Mato Grosso, a indígena relatou ainda que qualquer pessoa entra na casa. Os vigilantes não cobram identificação, segundo ela. Presidente da Ateni (que significa voz pela vida, na língua dos suruarrá), ONG que trabalha em defesa do direito das crianças indígenas, Márcia Suzuki confirmou as denúncias da camayurá. “Já visitei Casais do país inteiro. O do DF, sem dúvida, é um dos piores”, ressaltou. Ela apontou a falta de segurança como um dos piores problemas da casa do Gama: “Como há muitas etnias juntas, as brigas são comuns. Os poucos vigilantes não dão conta do serviço”.

Márcia Suzuki recebeu a visita ontem de outro índio camayurá hospedado na Casai do DF por causa do filho. O menino tem síndrome de Down e não pode voltar à aldeia porque sofre discriminação. “Ele estava desesperado, em busca de fralda, sabões e papel higiênico. Não havia nada disso na casa. Os sabões eram para lavar os lençóis em que o filho dele dorme”, contou ela. Por causa da precariedade da Casai, ela acolhe alguns índios na própria casa, como a filha do camayurá que está no DF para tratar da pressão alta e da catarata.

Serviços médicos
Há 73 Casais nas regiões brasileiras com população indígena. Elas são administradas por ONGs, por meio de convênios com a Fundação Nacional de Saúde (Funasa), órgão vinculado ao Ministério da Saúde. A Casai do Gama foi criada em 1999. Em geral, os índios vêm para a capital federal devido à falta de serviços médicos em seus locais de origem. A maioria dos internos faz tratamento nos hospitais Universitário de Brasília (HUB) e de Base do Distrito Federal.

Com capacidade para 70 pessoas, a Casai candanga já hospedou 295 de uma vez. Na última terça-feira, quando Jaiya Xavante passou mal, havia 56 pessoas no local, entre pacientes e acompanhantes. Em todas as Casais, a idéia é que os pacientes e familiares retornem às suas tribos depois de curados. No entanto, alguns precisam de tratamentos regulares e passam mais tempo do que o previsto inicialmente.

No ano passado, os ocupantes da Casai local quase foram despejados por causa da burocracia da Funasa. O convênio com a ONG que administra o abrigo, no valor de R$ 2,9 milhões, acabou em junho. O contrato foi prorrogado por mais um ano, mas, até meados de agosto, o dinheiro não havia sido liberado porque uma auditoria interna da Funasa analisava problemas de administração da entidade conveniada. Sem verbas, os funcionários ficaram sem salário por três meses.

A ONG era responsável pelos serviços gerais, manutenção, compra de medicamentos e pagamento dos 45 funcionários — 15 deles eram técnicos em enfermagem, mas havia também um enfermeiro, um nutricionista e um médico. Embora não ofereça atendimento clínico, a casa deveria providenciar serviços como troca de curativos, aplicação de soro, orientações sobre medicamentos indicados por especialistas, entre outros.

Silêncio
Ninguém da Funasa deu entrevista ontem. A fundação se pronunciou apenas por meio de nota oficial, que não informou quanto gasta com a Casai do DF e o tratamento dos indígenas. No comunicado, o órgão garantiu que “na Casai, a Funasa mantém serviço de vigilância 24 horas”. Afirmou ainda que “no local, eles recebem medicamentos, atendimento da equipe de enfermagem, transporte e alimentação balanceada”.

A falta de assistência levou um grupo de indígenas a acampar na sede da Fundação Nacional do Índio (Funai), mês passado. Pelo menos 30 índios da etnia xavante (10 deles crianças com menos de 10 anos) mudaram-se para os corredores térreos e a garagem do prédio. Famílias improvisaram dormitórios usando colchonetes e pedaços de papelão em vez de camas.

Uma festa para São Sebastião



Juliana Boechat - Estagiágia do Correio Braziliense

Os 15 anos comemorados hoje por São Sebastião contam apenas uma parte da história da comunidade. Na década de 1950, o local englobava as fazendas Taboquinha, Papuda e Paranoá e era povoado pelos escravos da sinhá Luzia, dona do engenho, conhecida como Velha Papuda. No meio do cerrado, encontravam-se guilhotinas, lugares de penitência e grande produção rural. Quase 60 anos depois, São Sebastião, a Região Administrativa 14 (RA 14), a 26km de Brasília, virou uma cidade independente, livre para crescer além de seus atuais 100 mil habitantes, e hoje tem muito a comemorar. A festa de aniversário começa às 8h30 e termina às 17h, com apresentações de grupos musicais e o corte do bolo de 15m.

Segundo o administrador da cidade, Josino Alves da Costa, São Sebastião deu um grande passo quando recebeu uma gestão própria, em 1993. Padeiro, Josino mora na região há 25 anos e comemora as últimas conquistas do lugar: “Ganhamos canalização da rede de esgoto, um Tribunal de Justiça e em breve os lotes terão escritura”. Para o futuro, uma visão otimista: “São Sebastião ainda é uma menina. Vamos aproveitar essa fase e nos preocupar com necessidades futuras”. A cidade receberá uma estação da Companhia energética de Brasília e a esperança é que indústrias procurem se instalar na região.

Mas nada disso poderia ser comemorado hoje se não fosse a coragem de Sebastião de Azevedo Rodrigues, 65 anos, que deu nome à cidade. Ele chegou à região em 1959 em um pau-de-arara (caminhão que transportava migrantes do Nordeste e de outras regiões para Brasília, Rio e São Paulo, entre outras cidades) vindo de Patos de Minas (MG) com mais sete pessoas de nome Sebastião para trabalhar nas olarias e produzir os tijolos usados na construção de Brasília.

O começo
Sebastião de Azevedo tirava areia, matéria-prima dos tijolos, do Rio São Bartolomeu. Por isso, recebeu o apelido de Tião Areia. No início da década de 60, muitas olarias foram abandonadas e quem havia chegado ao Planalto Central em busca de emprego ficou sem trabalho. Foi então que Tião passou a coordenar a sua própria olaria. Em pouco tempo, era a pessoa mais rica da cidade. “Eu tinha 22 caminhões, sete olarias, e três máquinas de carregar areia. Isso era muita coisa”, lembra orgulhoso. Mas por volta dos 40 anos, Tião descobriu que estava com doença de Chagas e foi informado pelo médico que a morte era inevitável.

Com a mudança brusca dos planos, Tião Areia tomou uma decisão: “Eu era muito rico e ia morrer. Então resolvi ajudar os outros”. A partir de então, distribuiu espaços de terra vazios na região para amigos e familiares. Ele construiu casas de alvenaria para as pessoas mais carentes e buscou moradores de outras regiões para povoar a atual São Sebastião. Logo, o que hoje é o centro da cidade se transformou em uma pequena comunidade com 72 casas construídas por ele. “O problema é que eu não morri”, brinca Tião, que se curou com medicamentos naturais. Então ele continuou a ajudar as pessoas.

Orgulho
A primeira esposa de Tião, Maria Silva Rodrigues, 58 anos, acompanhou de perto a trajetória do ex-marido. Juntos, construíram e cuidaram do posto de saúde, da creche e conseguiram a iluminação para as casas. Quando recebeu a notícia de que ia morrer, Tião passou todos os bens para Maria. Até hoje, ela mora em frente à Praça Tião Areia, no centro da cidade, em uma casa com um grande quintal e espaço para receber os 10 filhos e 22 netos que teve ao longo da vida. “É muito bom ver a nossa cidade como está hoje”, orgulha-se.

Tião foi obrigado a deixar a antiga casa, logo na entrada da cidade. Enquanto espera o novo lote, vive em uma casa de um cômodo, com duas camas, uma mesa de plástico e homenagens presas na parede. “Estão fazendo suspense, mas acho que o lote vai ser perto da minha praça”, imagina. Ele gosta de mostrar o Morro da Cruz, com um cruzeiro construído pelos escravos. O fundador vê, de cima, a cidade que começou a construir. Ele costumava ir ao local pedir a Deus namoradas e chuvas na época da seca. Hoje, ele agradece a saúde e a coragem que teve ao longo dos anos. “Fico orgulhoso em ver as coisas como estão atualmente, os ônibus cheios chegando e saindo da cidade no início e no fim do dia. Antigamente não tinha nada. Não me arrependo de nada”, garante.

São Sebastião é uma região com estilo de cidade de interior. É afastada de lugares movimentados e localizada entre morros. Ali, o comércio começa a se desenvolver, ruas aos poucos são asfaltadas e instituições chegam à cidade, como é o caso do Tribunal de Justiça. Cerca de 47% da população tem menos de 20 anos e a maioria trabalha em outras localidades. Em São Sebastião, tudo é perto. As pessoas andam a pé ou de bicicleta e todo mundo se conhece. E uma de suas marcas humanas é a hospitalidade. “Todo mundo é bem recebido aqui”, diz Tião, com simplicidade.

sexta-feira, 6 de junho de 2008

"A filha que nunca tive"


Juliana Boechat - Estagiária do Correio
Caderno especial Taguatinga 50 anos.
Foto: Marcelo Ferreira - CB

Relato Elisa Celeste Vieira, dona da primeira casa de alvenaria do Distrito Federal

"Cheguei ao Brasil em 1951.Nasci e vivi em Portugal até que meu marido, Abílio Martinho, resolveu sair em busca de novas oportunidades de trabalho. Mudamos para o Rio de Janeiro, mas, como meu marido era azulejista e muito bom com obras, correu para o centro do Brasil assim que soube da construção de Brasília.Eu só vim para a Cidade Livre em 1956. Ganhamos um lote do governo e um barraco de madeira, como todo mundo.Mas encontrávamos sempre lagartos e cobras dentro do barraco e meu marido comprou um novo lote na QNA. Construiu uma casa com cimento e tijolos, a primeira de alvenaria do Distrito Federal.Era uma verdadeira mansão. Atrás da casa, fizemos um poço artesiano com 20m de profundidade.Moramos lá por dois anos e logo nos mudamos para construir um novo prédio de alvenaria para Abílio ter a padaria que sempre quis. Era muita coragem investir em uma cidade que não existia. O pequeno prédio na CSB 6, onde moro até hoje, também foi uma das primeiras construções de alvenaria da cidade. Taguatinga é a filha que eu nunca tive."

Em ritmo acelerado


Juliana Boechat - Estagiária do Correio
Caderno especial Taguatinga 50 anos.

Taguatinga nasceu em 5 de junho de 1958. Lucio Costa havia planejado uma cidade-dormitório para os pioneiros que erguiam a nova capital do Brasil. Mas não imaginava que em pouco tempo o cerrado daria lugar à localidade mais populosa do Distrito Federal. Naquela época, desbravadores de várias partes do país, nordestinos na maioria, chegavam ao Planalto Central em busca de emprego. Três meses antes da inauguração de Taguatinga, o maranhense Nenesio Aragão Duarte, 69 anos, mudou-se para a região. A partir de então, a cidade e a família de Aragão cresceram juntos.

Nenesio lembra o que viu quando chegou: "Era muita poeira e mato. Tinha quatro tratores abrindo ruas, uma barraca de lona com uma placa da Administração de Taguatinga e uma caminhonete amarela estacionada". A Novacap recrutava funcionários do governo e o maranhense foi um dos selecionados. Eles tinham que cadastrar pessoas transferidas da avenida W3 e da Vila Amauri, que acabou tragada pelas águas do Lago Paranoá, para os alojamentos provisórios da futura cidade. Mas não foi fácil. "Ninguém queria morar no meio do mato, sem conforto algum. Dois dias depois, todo mundo voltava de onde tinha vindo", lembra Nenesio.

Ao mesmo tempo em que Brasília era erguida, Taguatinga tomava forma rapidamente. Nos primeiros 10 dias, 4 mil pessoas moravam na região, ainda sem infra-estrutura, luz e água. Poucas famílias tinham condições de manter um gerador. "O resto da vila vivia na escuridão", conta Nenesio. Alguns cavavam poços artesanais que chegavam a 20m de profundidade. "A inauguração de Brasília se aproximava e o trabalho apertava. As pessoas trabalhavam o tempo todo e dormiam às 20h. Nada podia ser feito na escuridão", conta o pioneiro.

A situação começou a mudar em 1960. Os equipamentos públicos de saúde e educação apareciam aos poucos e a cidade tinha 30 mil habitantes. Na virada dos anos 50 para os 60, Nenesio conheceu a atual mulher, Gersina de Sousa Duarte, 62, em uma festa junina na igreja Nossa Senhora do Pérpetuo Socorro, onde hoje funciona o Centro Educacional Stella Maris. Três anos depois, já casados, tiveram contato com os primeiros telefones instalados na cidade. E em 1969, o número de aparelhos havia se multiplicado: 400, no total, e um posto de serviços para ligações interurbanas.

Até 1973, a família Aragão morou no centro da cidade e, à luz de velas e lampião, viu Taguatinga se transformar. A partir de 1966, as ruas foram asfaltadas, as primeiras lojas comerciais apareceram e a madeira das casas foi substituída por alvenaria. "Também reformamos a nossa casa", lembra, orgulhosa, Gersina. O casal teve dois filhos: José Vital, 45, e Tânia Regina, 43. A relação das crianças com a cidade já era bem diferente. As ruas eram asfaltadas, iluminadas e viravam palcos de brincadeiras de rua.

Na adolescência, Tânia só saía da cidade para fazer faculdade. À noite, freqüentava com os amigos os lugares mais badalados de Taguatinga: a Praça do DI, a sorveteria Cogumelos e lanchonete Sanducha. Um cinema e festas na casa dos colegas também caíam bem. A volta para casa era a pé, à noite, sem perigo. Depois que casou, ela saiu de Taguatinga. "Foi a melhor época da minha vida. Fui feliz aqui", recorda Tânia.

Verticalização
Por volta de 1968, Taguatinga tinha 100 mil habitantes e mais de 12 mil crianças foram registradas na cidade. Sinal de que o crescimento estava só começando. O comércio se consolidava. Eram mil estabelecimentos, 50 indústrias leves e hortifrutigranjeiros. Em 1979, Taguatinga estava com outra cara. Não podia mais ser comparada àquela pequena cidade de interior de 20 anos antes. Mas o espaço era cada vez mais escasso e a cidade não podia mais crescer no sentido horizontal. O caminho era a verticalização: os prédios comerciais construíram o segundo andar e os edifícios residenciais altos começaram a aparecer. No meio da explosão imobiliária, nascia o filho mais novo de seu Aragão, Wesley Duarte, 29 anos.

Dona Gersina temia aquela expansão: já havia problemas com segurança e trânsito. Temerosa, ela não dava a Wesley a mesma liberdade que concedeu aos outros filhos. As brincadeiras de infância eram perto de casa. A adolescência nas boates, como a London London, no centro. Antes de entrar, ele e os amigos ficavam na Praça do DI com os sons dos carros ligados em alto volume. "Rachas e pegas viraram moda. Muita gente morreu em acidentes", lembra ele.

Com 30 anos, em 1988, Taguatinga beirava os 500 mil habitantes e estava entre as 45 maiores cidades do país. Em 2005, a cidade tinha 259,1 mil moradores. Neste ano, são quase 300 mil, entre eles, os Aragão (seu Nenesio já tem dois netinhos). O futuro, diz o administrador Benedito Domingos, deverá ser bem planejado. "Precisamos de mais prédios e haverá uma área de diversão e revenda de carros depois da saída norte. Taguatinga virou um pólo econômico, social, de educação e saúde para outras cidades do DF e de Goiás. A tendência é só melhorar", resume o político.

Tradição e negócios


Juliana Boechat - Estagiária do Correio Braziliense
Caderno especial Taguatinga 50 anos.

Taguatinga tem cara de metrópole. As ruas são largas, pessoas vão e vêm de todos os lados e motoristas impacientes buzinam. O comércio, a principal atividade econômica da cidade, chama a atenção. Só no centro de Taguatinga passam, por dia, cerca de 8 mil pessoas em busca dos mais variados tipos de mercadorias e serviços. Mas é na Comercial Norte onde o comércio mais floresceu. É lá que dois centros comerciais se destacam: o Mercado Norte e o Taguacenter.

Eles ficam lado a lado e contrastam tradição com modernidade. O Taguacenter, inaugurado em 1977, acompanhou o crescimento apressado de Taguatinga e logo se tornou um dos maiores símbolos do comércio na cidade. À beira da Avenida Hélio Prates, é fácil perceber a fachada de combogós azuis e laranjas e o colorido das lojas de tecido viradas para a rua. Moderno, o pequeno shopping atrai cerca de 7 mil pessoas todos os dias em busca de panos para roupas, bijuterias ou peças para produção de artesanato. Os estabelecimentos sempre garantem variedade, preço baixo e, com isso, clientela fiel.

Algumas lojas foram criadas ao lado do pequeno shopping e, com o passar do tempo, só cresceram. Este é o caso do Armarinho Novidades. O comércio é da família de Francisco de Sousa Leite, o seu França. Quando começou o negócio, no final da década de 1970, ele só conseguiu comprar 50 metros quadrados de loja. "Era caro demais, então começamos de baixo", lembra França. Hoje, são 3 mil metros quadrados divididos em dois andares, com mais de 14 mil tipos diferentes de produto. "Tinha um cinema no subsolo, mas assim que ele foi desativado, ampliamos a loja", conta Zélia de Azevedo, esposa de França. Ela diz que o Taguacenter seguiu a tendência da cidade ao longo dos anos e os comerciantes do mercado não passaram por crises econômicas.

"O Taguacenter cresceu com o armarinho e nós crescemos com o shopping", acredita. Os quatro andares do prédio se dividem em salas comerciais e lojas de tecido, de bijuteria a armarinhos. Ao oferecer serviços básicos para a população — salas de dentistas e médicos —, o lugar atraiu a população e firmou o nome no comércio local. "É referência. Tanto é que alguns ônibus colocaram o Taguacenter como destino final da viagem", diz Zélia.

A realidade do Mercado Norte é bem diferente. Desde a inauguração, em 1961, o galpão mantém a aparência e as letras garrafais na fachada. O mercado tradicional foi erguido quando o comércio de Taguatinga era formado por mascates e comerciantes que vendiam mercadorias de porta em porta. Nessa época, açougues, lojas de roupa e a pastelaria Dois Irmãos eram as maiores atrações do mercado. Aos poucos, muitas lojas deram lugar a armarinhos, restaurantes e mais lojas de roupa. Mas a pastelaria continua.

Em família
Beatriz Bernardes Yamaguti, 57 anos, também está há muito tempo no mercado. Mineira, chegou à idade com 11 anos e, aos 14, começou a trabalhar na barraca de roupas da irmã mais velha. Foi ali, entre os corredores, que conheceu Getúlio Yamaguti, o atual marido. Na década de 1960, ele trabalhava a dois corredores de distância, no armazém de um primo. Pouco tempo depois do primeiro encontro, começaram a namorar, se casaram e tiveram os primeiros filhos.

Para manter a casa, compraram um espaço no mercado. "Construímos a nossa casa com o dinheiro que ganhamos na loja. Dá para viver muito bem", diz satisfeita. O casal investiu em uma loja de roupa e juntos fizeram do Mercado Norte a segunda casa. A história do mercado é contada a cada corredor, em cada loja, por várias gerações. "É como estar em família", conta Beatriz.

Já o Mercado Sul, na QSB 13, foi o primeiro centro comercial organizado de Taguatinga. Inaugurado ainda na década de 1960, quando o comércio se desenvolvia na cidade, o local era freqüentado por pessoas em busca de miudezas. Desde aquela época, a principal característica do mercado é a falta de um limite físico para unir os lotes. As lojas são separadas e sem espaços definidos, com grande capacidade de mobilidade. No início da década de 1990, com a "explosão" do comércio em Taguatinga, o Mercado Sul entrou em decadência. Hoje em dia, a maioria das lojas oferece prestações de serviço como consertos de eletrodomésticos, serralherias e lojas de estofados.

quinta-feira, 5 de junho de 2008

Uma mão lava a outra


Juliana Boechat
Foto: Paulo Henrique - CB

A dona-de-casa Gidalva Silva de Jesus, 44 anos, mora na última casa de uma rua de terra batida no Varjão. A varanda, protegida por uma cerca de madeira, tem geladeira, máquina de lavar e mesa de plástico. Seis caixas empilhadas também chamam a atenção do visitante. Ali estão guasrdadas barras de sabão reciclado feitos pela moradora. Gidalva aprendeu a produzir o material no Projeto Biguá, em dezembro do ano passado. Desde então, ela gasta R$ 0,50 para produzir o produto com óleo de cozinha e vende por R$ 1,50 em feiras na cidade. "É um dinheiro que ajuda a pagar as contas da casa", explica.

O programa de reciclagem do óleo mudou a rotina da dona-de-casa. Agora ela transforma em sabão o que antes seguia ralo abaixo. "É uma terapia. Aprendi o mal que o óleo pode fazer no meio ambiente. Agora passo as tardes trabalhando com algo que eu gosto. Eu jogava óleo pelo esgoto e agora me ocupo e ainda tenho uma renda a mais", diz. Ela sempre trabalhou no posto de saúde da comunidade, mas no meio do ano passado decidiu deixar o emprego e vender marmitas. A partir de então, Gidalva ficou insatisfeita, pois não sabia como ocupar as tardes durante a semana. Mas a maior mudança que o projeto causou na vida de Gidalva foi a união da família. "Todo dia à noite, a minha família me ajuda a fazer os sabões. Temos tempo para conviver, conversar sobre a vida, contar coisas do dia. É muito bom", conta satisfeita.

O trabalho da dona-de-casa depende de alguém que vive perto dali. A socióloga e coordenadora da ONG Movimento Ecológico Dolores Pierson, 50 anos, mora a menos de 10km de Gidalva, no Lago Norte. A casa dela é grande, com jardim amplo e decoração indígena. E dali sai a matéria-prima do sabão de Gidalva. O produto final ainda é (re) utilizado por Dolores para lavar pratos e roupa. Mesmo com realidades bem diferentes, o Projeto Biguá, organizado pela Companhia de Saneamento Ambiental do Distrito Federal (Caesb), integrou as duas comunidades e promoveu a integração social e a preservação do meio ambiente.

A idéia do projeto surgiu com coleta de lixo e não demorou muito para evoluir e virar reciclagem de óleo de cozinha. A socióloga Dolores tomou conhecimento do projeto no fim do ano passado e percebeu o mal que a substância jogada fora estava fazendo à natureza. Percebeu, assim, que poderia ajudar o próximo. A exemplo de Gidalva, a rotina da moradora do Lago Norte mudou. Mesmo gastando um pouco mais de tempo no dia-a-dia, faz questão de cuidar do destino do óleo. Dolores coa o óleo usado e armazena em uma lata de alumínio até esfriar. Ela, então, coloca a gordura em garrafinhas pet de 250 ml e leva a um posto de coleta próximo de casa, na QI 3 do Lago Norte. Dolores garante que vale a pena: "A destinação do óleo é nobre. Vale a pena mudar um pouco o dia-a-dia para ajudar."

Cuidados
Especialistas em preservação do meio ambiente alertam para os perigos do óleo de cozinha desepejado nas pias dos brasilienses. O professor Marco Antonio Almeida Sousa, do Departamento de Engenharia Civil e Ambiental da Universidade de Brasília (UnB) explica que o produto é apenas um tipo de gordura responsável pela degradação da natureza. E sugere que o material seja cada vez menos utilizado.

Segundo ele, o óleo não é tóxico. Mas entope encanamentos da rede de esgoto e polui mananciais. O Distrito Federal tem nascentes de três bacias hidrográficas: São Francisco, Tocantins e Paraná. "Nas nascentes, pequenas quantidades de óleo podem virar uma grande poluição", ressalta. As 6 mil casas do Lago Norte produzem cerca de 9 mil litros de óleo por mês. Por isso, quatro postos de coleta deste material foram distribuídos para incentivar a população a participar do projeto (ver quadro). "Reciclar é sempre a melhor opção", garante Marco Antonio.

Em dezembro do ano passado, 30 mulheres do Varjão se reuniram para aprender sobre a produção do sabão reciclado e os males que o óleo de cozinha causa na natureza. Dessas, apenas seis foram selecionadas para iniciar a pequena cooperativa. Depois, um grupo foi formado para manter o projeto, com distribuição de banners e panfletos no Lago Norte. O coordenador do projeto, Fernando Starling, pensa em levar o Biguá para as demais cidades do DF. "Vamos esperar a primeira parte dar certo para darmos o próximo passo", explica. "São Sebastião e o Lago Sul podem ter o mesmo tipo de relação de econegócio", sonha.

Pontos de coleta
Construshopping – QPPN QI 13
Supermercado Big Box – EPPN QI 10
Colégio Indi Bibia – SHIN QI 3 / 5
Prefeitura Comunitária da Península Norte – EPPN QI 3 (Ao lado da Igreja Nossa Senhora do Lago).

Perigo sob as marquises



Juliana Boechat - Estagiária do Correio Braziliense

Uma operação conjunta da Defesa Civil, Polícia Militar e Subsecretaria de Fiscalização (Sufis) percorreu o comércio da M Norte, em Taguatinga, para fazer uma varredura nas marquises dos prédios da região. No primeiro dia, 79 edifícios comerciais foram vistoriados e 22 notificados por estarem em estado gravíssimo. A vistoria continua hoje pela manhã em mais 30 prédios da comercial. Os proprietários desses estabelecimentos terão dois dias para providenciar um laudo técnico sobre as estruturas feito por um engenheiro. Caso sejam constatadas irregularidades, a obra de correção deverá ser realizada o mais rápido possível. Quem não cumprir o prazo será multado.

Segundo o engenheiro-chefe do núcleo de vistorias da Defesa Civil, major Vicente Tomaz de Aquino Junior, as marquises notificadas durante a operação ofereciam risco iminente e terão de passar por uma reforma o mais rápido possível. "Queremos evitar acidentes. Mostramos às pessoas como as construções estão erradas e notificamos, mas depois elas devem resolver a situação", explicou. A Sufis se responsabiliza pelo acompanhamento do trabalho e por verificar se a obra está sendo realizada conforme as orientações. O valor mínimo da multa, de R$ 570, aumenta de acordo com a área da marquise considerada perigosa.

As maiores irregularidades observadas pela equipe de fiscalização foram infiltrações, sobrecarga, inclinação da ponta da construção e apoio indevido. Um dos casos mais perigosos foi encontrado no comércio das quadras 36/38. A estrutura de ferro estava à mostra e enferrujada. O apoio era feito por duas hastes e o centro da marquise estava rebaixado. Um dos funcionários da loja, Cristiano Hércules, 30 anos, concordou com a fiscalização e disse que a reforma da fachada deveria ter sido feita há muito tempo. "Tem gente que se pendura nas hastes e parece que o teto vai despencar. Há um ano e meio arrancaram a luz que ficava no meio com um tapa. A qualquer momento essa estrutura vai ceder", relata.

O dono do Bloco E, Lote 1, Arnóbio Sousa Milhomem, 59 anos, foi notificado e diz ter sido pego de surpresa. Ele construiu o prédio há 22 anos e a fiscalização nunca tinha reclamado de nada. Por isso, ele acreditava que o edifício não apresentava irregularidades. "Vou chamar um engenheiro e fazer tudo dentro da lei, mas é uma tarefa complicada. Não sei quanto o especialista vai me cobrar pelo serviço e se vou ter o dinheiro para pagar", diz. O fiscal de atividades urbanas da Sufis Sandro Rodrigues garante que os prédios continuarão a ser fiscalizados. "Queremos manter a segurança e não multar ou fechar todos os estabelecimentos", garante.

Perigo
O professor de engenharia civil da Universidade de Brasília (UnB) Dickran Berberian diz que a marquise é uma construção perigosa, pois não dá sinais antes de desabar. "O único sintoma é a pequena inclinação da ponta da estrutura. Após perceber esse problema, o proprietário deve procurar um especialista para tomar as providências corretas", orienta. O primeiro sinal pode ser causado por excessiva carga e encanamentos bloqueados, que acumulam grande quantidade de água na ponta da construção.

Segundo o professor, a marquise é composta por duas estruturas metálicas. Quando a parte superior, ligada à parede do prédio, é rompida, as chances de desabamento são grandes. "A parte de cima pode ceder completamente, mas a de baixo continua inteira. Quem estiver passando pelo local corre o risco de ser esmagado contra a fachada do edifício", explica. Esse tipo de desabamento pode acontecer por diversos motivos: falta de vistoria, tubos de escoamento de água congestionados, infiltrações com água poluída que destrói o ferro da estrutura e peso excessivo na ponta da marquise. O conselho do professor é fazer a manutenção constante.