sábado, 30 de agosto de 2008

Juliana Boechat, do Blog do Noblat


Sou muito ansiosa.

Quando pequena, mudei de escola várias vezes. Uma média de dois anos em cada lugar. No início era um sacrifício. Não dormia na véspera da primeira aula e me sentia completamente perdida nos novos lugares. Errava escadas e entrava em salas erradas. No segundo grau, percebi que gostava das mudanças. Na faculdade, fiquei aliviada de achar que essa constante adaptação acabaria.

Mal sabia eu que estava só começando.

Logo no 3º semestre de Jornalismo consegui meu primeiro estágio. E um ano depois, pedi minha primeira demissão. De 2006 até o meio de agosto deste ano foram quatro pedidos como aquele. Quatro dias nervosos, treinando na frente do espelho como falar com o chefe. De todos eles, só um tinha me arrancado lágrimas até então: o Ministério da Defesa.
Mas a quinta despedida, em 29 de agosto, foi a pior. A garganta fechou, o nariz doeu, e não consegui me segurar. Entrei no carro e desabei.

No caminho, lembrei do dia da entrevista no Correio Braziliense, no fim do ano passado. Cheguei bem antes das 16h, hora marcada por Samanta. Sentei no meio fio da frente do jornal, em frente à caixinha dos Correios e esperei a hora de subir para não parecer desesperada pelo estágio. Mas eu estava desesperada. Era tudo o que eu queria desde que entrei na faculdade! Finalmente peguei o crachá provisório e subi as largas escadas. Me deparei com um hall silencioso, com sofazinhos, e uma porta de vidro escrito REDAÇÃO. Ali dentro, plaquinhas de editorias pendendo do teto, "aquários" no final do corredor e tubo de ar condicionado laranja.

Perdida, perguntei à menina linda, loira e pequenininha (mais tarde virou Elisa Tecles) sentada na ponta da primeira bancada quem era Samanta Sallum. Ela me indicou uma moça alta, magra e muito bem vestida. A famosa editora de Cidades veio pelo corredor, me cumprimentou com as mãos bem finas, sentou comigo no sofazinho e começou o terrorismo: "Cidades é o pior lugar do mundo, você quer trabalhar aqui?". "Quero", eu repetia para tentar convencê-la.

E deu certo. Duas-semanas-sem-dormir depois, voltei ao jornal para assinar o contrato. I was living a dream.

A minha primeira matéria foi em Planaltina. Eu e o fotógrafo Marcelo Ferreira. Tive que escrever 50 linhas sobre uma escola pública que estava entre as 10 melhores do Brasil. Fiquei tão nervosa em escrever a matéria certa, que ficou muito ruim. Nem me lembro como escrevi tudo aquilo. (Não tenho coragem de ler a matéria até hoje).

Mas depois tudo melhorou. Ia toda semana à Planaltina, Taguatinga, Ceilândia. Subi o morro de São Sebastião, ouvi histórias de muitas pessoas, comi em restaurantes esquisitos em lugares esquisitos e torrei no sol. Fiz plantão no IML e fiquei impressionada com a quantidade de menino algemado, fui para o meio do entulho, tomei chuva e voltei para o jornal com a calça molhada até o joelho e andei de lancha. Fui em escolas em que os diretores são ameaçados de morte diariamente, conheci o embaixador da Itália, corri atrás do Arruda, fiz matéria de trânsito, cacei personagens impossíveis, ajudei em matérias aterrorisantes e participei de um caderno especial. E conheci repórteres sensacionais.

Guilherme Goulart, repórter de polícia, sentava do meu lado. Me chamou um dia e cortou os "jás", "ques" e deu forma ao meu texto. Renato Alves, repórter especial, me aconselhou a não conviver só com jornalistas, corrigiu meus textos, me pressionou, me criticou e me elogiou. Adriana Bernardes me pedia os personagens mais impossíveis e eu ficava orgulhosa em encontrar todos. Helena Mader, me ensinou tudo sobre a bagunça de regularização dos condomínios e me deu autonomia. Roberto Fonseca me enviava para pautas legais e acreditava que eu conseguiria. Carlos Tavares gritava comigo e depois vinha conversar. Torreão só gritava. E assim eu aprendia.

Também aprendia a gostar de tods essas pessoas. Aos poucos, elas perderam os sobrenomes. Guilherme, 30 anos, parecia ter 12. Fazia piadas o dia inteiro. Renato, se fingia de bravo e ranzinza, mas é um amor. Adriana tem o sotaque mineirês mais engraçado e fala palavrão o dia inteiro. Helena "é um guri". Gizella gosta de baixaias. Paixão, de Gates. Pablo, João, Leilane, Gabriel... Depois Diego, Lívia e Lúcio. Eu só conseguia, com olhar de paisagem, gostar de tudo aquilo e ficar orgulhosa de estar ali.

Mas mais uma vez chegou a hora de mudar. Com um aperto no peito, não volto na segunda-feira, às 13h, para a reunião de pauta. Vou trabalhar com política e correr outros riscos, ter outras experiências. A insegurança e ansiedade foram amenizadas pelos desejos de boa sorte e abraços das pessoas que se tornaram tão especiais. Até mesmo das que eu menos esperava o retorno. "Juliana, boa sorte, porque o talento você já tem".

Mais uma vez vou ficar sem dormir na véspera. Mais uma vez vou ter que começar tudo do zero. Mais uma vez estou ansiosa. Mais uma vez meu coração fica apertado, torcendo para tudo dar certo. Mais uma vez desabei em lágrimas. Mais uma vez vou sobreviver a tudo isso.

terça-feira, 26 de agosto de 2008

Becos - Ceilândia


Juliana Boechat - Estagiária do Correio Braziliense
Parte da matéria de Guilherme Goulart publicada em 27 de agosto de 2008
Foto: Cadu Gomes


Ceilândia é a região administrativa com o maior número de becos desocupados. Há 338 nas mais variadas situações. O balanço da Codhab identificou, por exemplo, que 64 apresentam alguma irregularidade e poderão ser retomados pelo governo local. Aqueles que poderão receber edificações seguirão o PDL da cidade. A norma prevê que os espaços ociosos do centro urbano mais populoso do DF recebam, com prioridade, novas unidades imobiliárias. Mas há também projetos de revitalização e uso comum, como construção de praças.

Os planos urbanísticos locais passam pelas QNO, QNP, QNN e QNM. A maioria dos becos fica nas duas últimas. Há 213 desocupados e 53 com algum tipo de construção. Entre eles, a do marceneiro Cisto Alves Duarte, 64 anos. Ele mora de favor no Lote 13, Conjunto D, da QNM 4. Ao lado da casa dele, há um beco abandonado, o 13A. À primeira vista, lembra reduto de entulhos dos mais variados tipos. Mas o local acabou transformado em ambiente de trabalho há 25 anos.

O autônomo usa o lugar pedaços para estocar pedaços de madeira recolhidos na rua. Quando o material está do tamanho certo, sem pregos, ele coloca na caçamba da Kombi e leva a restaurantes com forno à lenha. Cada montante vendido rende R$ 100. Cisto sabe da proibição de trabalhar na área pública. Por isso, pensou em construir um galpão regularizado junto ao GDF. Cumpriu todas as etapas, e os vizinhos ainda aprovaram a presença dele no local. Mas não conseguiu juntar o dinheiro necessário para a conclusão do projeto. "Eu ganho pouco. A prioridade é comprar comida", justificou.

Assim, em vez do galpão, o marceneiro cercou o terrenos com arame. No espaço tem de tudo: latas de tinta vazias, colchões, um canteiro com flores roxas e um vira-lata para proteger o material. Segundo ele, não há perigo. Ele também fica de plantão até meia-noite para garantir que ninguém vá colocar fogo na madeira. Cisto também admitiu não vê problemas caso o lote seja retomado para a construção de um imóvel. "Quando quiserem construir casa aqui, eu limpo tudo e saio, sem problemas. Mas, enquanto eu puder, vou trabalhar neste beco", disse.

Becos - Taguatinga















Juliana Boechat - Estagiária do Correio Braziliense
Parte da matéria de Guilherme Goulart publicada em 27 de agosto de 2008
Fotos: Cadu Gomes

É fácil encontrar becos abandonados e malcuidados em Taguatinga. O espaço entre as casas 13 e 15 do Conjunto C, na QNM 42, tem montes de entulho e lixo espalhados pelo chão. Um dos moradores da rua colocou fogo na grama há poucos dias para aumentar a segurança. A dona da casa 15, Luciane Alessandra da Silva, 32, também presenciou várias tentativas da população de recuperar a área. "Pelo menos, conseguimos cortar a grama. Antes, era difícil enxergar uma pessoa no beco devido à altura do mato", afirmou.

Uma das portas da casa de Luciane fica virada para o beco. Quando ela precisa entrar pelos fundos, tem medo de assaltos. "Não tem iluminação. Olho várias vezes antes de entrar no lote para garantir que está vazio", contou. Ela defende a iniciativa do GDF em ocupar a região. "Não podemos usar mesmo, então é melhor construir algo ali. Dá mais segurança, pelo menos", avaliou. Segundo ela, várias amigas foram assaltadas em outros becos do conjunto nos últimos meses.

A história do beco do Conjunto A, da QNM 38 de Taguatinga é um pouco melhor. O espaço chama a atenção pelo contraste. Um lado tem cascalho e mato. O outro conta com um jardim. Há alguns anos, um policial militar tentou levantar um imóvel no lugar. Mas a construção acabou demolida pelo governo local em 2003. A partir de então, os dois vizinhos se responsabilizaram pela manutenção da área. Segundo a moradora da casa 33, Ronalda da Silva Ramos, 53 anos, vizinha ao beco, antes o mato era alto, cheio de lixo e entulho. "Agora, pelo menos os jovens não se reúnem para usar drogas", disse.

Quando Ronalda se mudou para a casa, há dois anos, a região era perigosa. A porta da casa tinha marcas de tiro. Também havia roubos de carros na rua. Colocou, então, telha no quintal para impedir pessoas de pularem para dentro da casa dela. "O cheiro era insuportável. Tinha até um sofá no meio do mato para as pessoas usarem drogas." Ronalda agora até ajuda a manter o beco bem cuidado e com mato cortado. "Às vezes, fico o fim de semana todo limpando o terreno. Mesmo assim, algumas pessoas continuam jogando entulho e lixo", reclamou.

Becos - Gama


Juliana Boechat - Estagiária do Correio Braziliense
Parte da matéria de Guilherme Goulart publicada em 27 de agosto de 2008
Foto: Cadu Gomes

Os 200m que unem as ruas da Quadra 30 do Setor Oeste passaram por várias transformações. Os entulhos deram lugar à calçada, cerca viva e um jardim com árvores floridas. Tudo resultado de um mutirão organizado pela prefeitura comunitária há três anos. Antes disso, os moradores locais conviviam com a insegurança. A manutenção hoje é feita pelo jardineiro João Porsino de Almeida, 63 anos. Há até arcos de trepadeiras nas passarelas. "Tudo aqui foi feito pelas minhas mãos", orgulha-se.

Situação diferente ocorre na Quadra 1, do Setor Leste. A capela Santa Luzia tomou conta do Lote 30. Mesmo assim, os moradores da rua apóiam a presença do templo. "A capela quase não funciona, mas não perturba", contou. Em frente à capela, há outro beco. Mas abandonado, o que faz com que a comunidade reclame da bagunça. No início da tarde da última sexta-feira, homens bateram boca e gritaram no local. Um dos vizinhos da igreja, que não quis se identificar, se disse cansado. "É sempre assim", lamentou.

sexta-feira, 8 de agosto de 2008

"Pai, me adiciona no orkut?"




Matéria especial dia dos pais para o site da Carta Capital.
Publicada em 8 de agosto de 2008.
Juliana Boechat.

Na perna esquerda do estudante Filipe Thadeu Furtado, 21 anos, tem uma tatuagem. São três datas que definem grandes marcos da vida do garoto. A primeira, como não podia deixar de ser, é a data do nascimento, em 20 de março de 1987. Logo abaixo, a adolescência e a ida ao show da banda favorita de rock Aerosmith, em 12 de abril de 2007. E o fato mais recente, o dia em que conheceu o pai, Saulo Furtado, em 11 de outubro de 2007. Filipe nunca imaginou que o grande encontro aconteceria. Muito menos que seria graças ao site de relacionamento Orkut, pouco usado por Filipe até então.

Desde a infância, o jovem mora em Brasília com a família materna. Enquanto isso, imaginava como seria a vida do pai em Arapongas, no interior do Paraná. Ele sabia que os irmãos tinham perfil no Orkut, mas nunca pensara em se aproximar. Mas em um dia qualquer, em um surto de coragem, Filipe enviou uma mensagem para Samira, irmã por parte de pai, três anos mais nova que ele. Ela não correspondeu. Estava em intercâmbio na África do Sul.

A outra saída era Sara, a irmã com a mesma idade, que não sabia da existência do irmão de Brasília. No início de setembro, depois de trocas de "scraps", a menina bonita adicionou Filipe no MSN. Certamente, o rapaz nunca esperava conhecer alguém tão importante via bate-papo virtual.

Logo na primeira conversa, ele contou: "Era uma vez uma história de um cara que tem dois filhos da mesma idade. E um deles mora em Brasília". Quando ela percebeu o acontecido, logo convidou o novo irmão para ir a Arapongas no feriado de 7 de setembro. "Achei melhor não ir, era muito cedo", lembra. Mas não resistiu. Como que por ironia, no dia das crianças o garoto arrumou as malas e se preparou para conhecer o pai.

A viagem durou cinco horas até Londrina, cidade mais próxima de Arapongas com aeroporto. Filipe sentia o coração palpitando com força, o estômago embrulhava quando pensava no assunto e suava frio. Mr. Tambourine Man, do Bob Dylan, foi o melhor sedativo e ficou marcada com todas as sensações daquele momento eterno. Ao chegar ao sul, se deparou com o inesperado. Na sala de desembarque estavam pai, "mãe", irmã e irmão. Depois do primeiro momento de abraços desconcertados, os dias se tornaram inesquecíveis para toda a família. "Era estranho viver e gostar de tudo aquilo".

E não havia motivos de preocupação. As primeiras impressões deixaram Filipe tranqüilo, confortável e satisfeito. Ele se sentia em casa, como não acontecia há anos. O pai, simples, de bom coração e feliz com a família que tem. Gigliola, a madrasta, virou a segunda mãe. Saulinho, o irmão de 15 anos se mostrou maduro e espontâneo. E Sara. "A pessoa mais maravilhosa que já surgiu em minha vida", define o estudante.

Filipe também se apaixonou à primeira vista por Arapongas. Assim como a família Furtado, a cidade era acolhedora e interiorana. Logo na entrada da cidade, viu a oficina do pai e ficou orgulhoso. Em grandes churrascos, foi apresentado ao resto da família e aos amigos. O avô materno, famoso na cidade por causa da fábrica de móveis que trabalhara, levou Filipe para participar da entrevista semanal na rádio local. Filipe contou sobre a rotina em Brasília e respondeu a perguntas inusitadas de quem não mora na capital do Brasil: "Você já encontrou Mônica Velloso na rua?".

Saulo, Saulinho, Gi e Sara acolheram Filipe como parte da família desde o primeiro momento. Na hora do almoço, conversas banais sobre unha encravada, bandas de rock e arrotos do irmão caçula mostravam como estavam confortável com a presença dele. Mas a grande prova da satisfação da família em receber Filipe apareceu de maneira inesperada. A família havia montado um quadro de fotos recheado de momentos dos irmãos e dos pais, com uma foto dele ao centro. "Filho, bem-vindo a sua família. Nós te amamos!". Filipe ficou roxo, as lágrimas quase transbordaram, mas ele se segurou ao máximo.

O último dia demorou a chegar. Filipe não queria que chegasse porque odeia despedidas. No aeroporto, depois de muitos flashes para registrar o momento, abraços fortes e carinhosos, o estômago dele voltou a embrulhar. O momento de deixar aquele sonho havia chegado. Mais uma vez guardou as emoções. Mas em Brasília, longe da nova família e da "velha", finalmente parou de resistir e chorou tudo o que guardara durante 20 anos. "A partir de agora serão sempre períodos de três dias ou férias. Fico com medo de não tirar o tempo de atraso", diz.

A viagem de poucos dias mudou a vida da família e de Filipe. O contato continua pelas modernidades de Orkut, MSN e celular. Ainda escapa algumas vezes da rotina em Brasília para conferir se o interior do Paraná continua do mesmo jeito que ele deixou. O natal do ano passado e a virada de 2007 para 2008 tiveram um gosto especial. Gosto de família. Agora, o dia dos pais, no próximo domingo, também será diferente. O dia, que antes era vazio, será recheado de saudade e vontade de estar perto do pai. A data, para Filipe, passou a ser a mais significante do ano.