sexta-feira, 10 de agosto de 2007

A linguagem da Ceilândia e do mundo

Jovens carentes da Ceilândia aprendem a linguagem audiovisual de boa qualidade com pouco dinheiro.

Com R$2.900 é possível fazer um curta-metragem de 15 minutos. E mais ainda: com esse recurso, é possível alcançar o primeiro lugar em um festival internacional e ser a película mais premiada do Distrito Federal. Adirley Queirós dirigiu a obra “Rap, o Canto da Ceilândia” e tornou o trabalho realizado na cidade conhecido no país. Com a prática e técnica audiovisual, Adirley ajuda o movimento social MH2O, que oferecem aos jovens carentes oficinas, entre elas a de cinema.

A película retrata a história pouco conhecida da cidade de 350.000 habitantes. Em momento algum, o projeto do filme teve apoio financeiro. Cada cena do “curta” era gravada a medida que juntavam o dinheiro suficiente para suprir todos os gastos. Finalmente, após dois anos de economia e espera, o vídeo estava pronto. Mas, para poder ser projetado ao público, o trabalho deveria ser transformado em película. Os R$23 mil para a nova fase vieram do edital que o grupo ganhou no Festival Internacional de Cinema de Brasília de 2006. Um transfer de aproximadamente 10 minutos, que transforma vídeo em película, custa em torno de R$80.000.

O cenário era a cidade. Os personagens eram figuras conhecidas na comunidade. “Marquim”, por exemplo, foi um dos atores do filme e é o cantor do grupo de rap “Tropa de Elite”. Ele diz: “Por onde andamos na Ceilândia, somos reconhecidos”. Ainda assim, grande parcela da população não teve acesso ao material audiovisual produzido. O contato dela com o cinema é quase nulo, já que a passagem do ônibus e o ingresso nas salas de cinema são caros. O antigo complexo cinematográfico da Ceilândia é, hoje em dia, uma madeireira e o cinema itinerante da cidade foi cancelado. A população não sabe o motivo. Até o momento do fechamento desta matéria, a Administração de Ceilândia não havia se pronunciado a respeito.

Essa é a realidade da maioria das cidades satélites do Distrito Federal. Leonardo Zouain de Moraes mora em Samambaia e trabalha na loja de roupas de Hip Hop – resultado de uma das oficinas do Movimento de Hip Hop Organizado do Brasil (MH2O) - e diz nunca ter assistido ao vídeo de Adirley. “Eu quase nunca vou ao cinema e eu sinto falta. Tenho que ir até Taguatinga porque em Ceilândia e em Samambaia não tem nada”, diz. Marquim acrescenta: “O governo não constrói um centro esportivo, muito menos um cinema”. Segundo ele, as escolas públicas não possuem aparelhos de televisão e de DVD para divulgarem a cultura cinematográfica brasileira e local.

O movimento e a música

Ao caminhar pelas ruas da Ceilândia, é fácil identificar o motivo de o MH2O ter escolhido a cidade para implantar seu projeto. As pessoas costumam se vestir como os rapers e os carros passam tocando rap e hip hop em alto e bom som. Ana Cristina da Silva Souza, coordenadora-geral do Movimento, explica por que isso acontece. “O rap e o hip hop já estavam na Ceilândia antes de chegarmos, em 2005. Implantamos o projeto aqui justamente pela cultura que fervia na cidade. Foi de Ceilândia que saíram os primeiros grupos de rap do Distrito Federal”, diz orgulhosa.

Cerca de 35 jovens de 18 a 24 anos são atendidos pelo projeto mais famoso do MH2O, o Mercado Alternativo. As seis oficinas geram oportunidades de emprego, envolvem os jovens em empreendimentos reais, além de passarem noção de ética e valores sociais. Uma das oficinas é a Empresa de Produção de Vídeo, que conta com o apoio de alguns integrantes da Tropa de Elite e do cinegrafista Adirley. Em 2005, o Ministério do Trabalho doou os equipamentos para as filmagens. A parceria com o SEBRAE oferece cursos e palestras e a Administração de Ceilândia libera alguns espaços da cidade para o movimento. “Tivemos apoio para começar, mas agora precisamos manter e, para isso, tiramos dinheiro do nosso próprio bolso”, diz Cristina.

A paixão pela cultura Hip Hop rege o MH2O. Todas as empresas do Mercado Alternativo se voltam para a música que embala a cidade. A oficina audiovisual proporciona oportunidade de os adolescentes produzirem e atuarem no filme ou vídeo clipe que conta a história da comunidade em que vivem. “Os nossos jovens têm potencial, mas não têm oportunidade. Muitas vezes não sabem valorizar o próprio trabalho. Estamos aqui para ajudá-los nisso”, diz Cristina. Para ela, é importante se esforçar para divulgar o trabalho da Ceilândia e assim conseguir visibilidade para os outros trabalhos realizados. “Jovem de Expressão” é o próximo grande projeto do Movimento. A Caixa Seguros ofereceu uma parceria para fornecer sete oficinas de aprendizado aos jovens, entre elas, uma sobre produção de vídeos.

As diferenças reais

Meia hora de ônibus ou metrô separa Ceilândia da capital do Brasil. Brasília tem cerca de dois milhões de habitantes e uma renda per capita de aproximadamente R$19 mil. O cinema, tanto na produção quanto na diversão, é acessível à maioria da população. As salas de cinema mais visitadas da cidade chegam a cobrar R$18,00 a entrada inteira. Cursos de comunicação audiovisual nascem nas instituições de ensino com aparatos modernos, seguindo a tendência do mercado internacional. Os projetos sociais desenvolvidos pelas grandes instituições na área de comunicação social em regiões carentes ainda são fracos. Na área cinematográfica, é praticamente inexistente.

Para a coordenadora do curso de Audiovisual da UnB, Dácia Ibiapina da Silva, não ter incentivo ao cinema nas regiões administrativas é “lamentável”. Mas ela contrapõe: “É difícil encontrar um analfabeto audiovisual no Brasil por causa da televisão. Os iniciantes podem fazer vídeo sem referências do cinema de tela grande. Porém, estas referências podem ajudar na busca de expressão e comunicação de quem atua na área”.

Enquanto isso...

O curso de Cinema e Mídias Digitais do IESB está lançando a sua primeira turma esse semestre. Como o curso possui apenas 60 alunos e começou há pouco tempo, os projetos sociais ainda estão na fase de análise. Para o coordenador do novo curso da faculdade, Marcus Ligocki Júnior, mais importante que o maquinário para se fazer uma película, é a linguagem utilizada. “É importante ter o embasamento, a percepção, a história do cinema, discussões acerca do tema e bastante vivência com outros trabalhos”, diz o coordenador. Ele complementa: “Também é importante ter a prática para que o próprio material seja avaliado por outras pessoas”.

A promessa é que os alunos da faculdade tenham contato constante com profissionais da área. Os aparelhos possuem tecnologia digital que, segundo Ligocki, é o caminho que o mercado de trabalho está seguindo. Para o coordenador, a base teórica é fundamental, mas “o que faz um grande artista é algo imponderável e inexplicável, que foge de qualquer formação, de qualquer sociedade definida”.

A prática de cinema chega a ser prazerosa, pois “as pessoas já chegam ao curso porque gostam daquilo”, diz Logocki. É preciso gostar do trabalho e se envolver em atividades além daquelas propostas pela faculdade para alcançar o sucesso. O coordenador frisa a importância de o aluno ser interessado e se esforçar ao longo do curso. Ana Cristina complementa: “Os estudantes deveriam olhar um pouco além dos muros das universidades. Muitas vezes eles não sabem o que acontece do lado das suas casas”, diz.

3 comentários:

Anônimo disse...

Ju, vc é o meu orgulho! Parabéns! =****

Anônimo disse...

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Daniel disse...

Interessante...
mas pq vc afirma que:

"O cinema, tanto na produção quanto na diversão, é acessível à maioria da população."?