quinta-feira, 11 de outubro de 2007

Professora de patinação leva crianças carentes para competir em Nova York

O grupo não tem patrocínio e arrecada dinheiro nas ruas. Todas as crianças foram a maratona de Nova York e trouxeram ouro para o Brasil

NaPrática - jornal laboratório do IESB

Todos os domingos de manhã, a professora de patinação Tuca Reichert busca em casa cada um dos seus alunos. O destino é qualquer pedaço de asfalto que permita o treinamento da semana. As 14 crianças, entre 7 e 14 anos, fazem parte do Projeto Patinar com Segurança, e treinam no Parque da Cidade, na Ermida Dom Bosco e no Eixão, sonhando em participar dos campeonatos fora do Brasil. Com pouco patrocínio e muito esforço, Tuca conseguiu levar quatro alunos para competir na 16ª Maratona de Velocidade de Nova York, no último mês. Todos voltaram com medalha de ouro.

Sempre que aparece a oportunidade de um campeonato internacional, os patinadores vão às ruas arrecadar dinheiro de passagens, hospedagens e alimentação. Tuca desenvolveu um projeto de patrocínio, que sofreu um corte de 80% por parte da Poupex – a maior patrocinadora. “Mas já ajuda bastante”, diz. Mesmo com o preconceito - uma aluna foi descriminada pela cor da pele - e as dificuldades financeiras, os pequenos competidores conseguem obter bons resultados em todas as provas que participam.

Assim que a equipe voltou ao Brasil, em 1 de outubro, a luta recomeçou: as primeiras moedas foram depositadas no pequeno galão de água vazio, Tuca continuou a procurar patrocínio e a saga nos sinais de trânsito e nos supermercados voltou a ser rotina. A próxima meta é a 1ª Maratona de Houston, nos Estados Unidos, no dia 29 de outubro.

Para esse campeonato, o grupo já conseguiu alimentação e hospedagem de graça, mas ainda precisa da passagem. A professora seleciona sempre quatro alunos para as viagens, mas, como aconteceu no primeiro campeonato, nem todos têm a chance de ir. “Quando não conseguimos o dinheiro suficiente, somos obrigados a cortar alguns alunos da lista”, explica.

O projeto

A primeira experiência internacional do grupo foi na 15ª edição da Maratona de Nova York. Essa corrida de velocidade acontece no Prospect Park, Brooklyn, nos Estados Unidos e, ao contrário do comum, possui obstáculos naturais. Em um dia de movimento normal no parque, os pequenos corredores chegam a 40 km patinando entre as pessoas que estão passeando, andando de bicicleta e brincando com animais.

Ter essa oportunidade é sonho de qualquer criança, mas segundo Tuca, as responsabilidades vão além. Para ela, “a medalha de ouro é como um estímulo para as crianças carentes”. “Meu objetivo é dar oportunidade e ensinar um pouco de cidadania e civilidade”, acrescenta. Os alunos, moradores do Varjão, Sobradinho, Recanto das Emas e Ceilândia precisam tirar notas boas e ter bom comportamento na escola e em casa para garantirem a vaga. Tuca enfatiza aos interessados: “Gostou de participar? Então faça por onde”.

O contato de Tuca com os responsáveis das crianças – pais e professores – é bem próximo. Uma vez por mês eles se reúnem para acompanhar o andamento dos alunos. A aluna Thaise da Silva, 13, fica impressionada com a professora: “Mal acontece alguma coisa e a Tuca já sabe”. Além de ensinar atitudes cotidianas e a patinação em si, a patinadora profissional ensina também a escrever, incentiva a leitura e a melhora da caligrafia de cada aluno. “Quando temos dúvida no dever de casa, Tuca tira todas as nossas dúvidas”, explica a aluna.

A iniciativa

A patinação é a vida de Tuca. A antiga diretora brasileira de patinação de velocidade já colaborou de diversas formas para divulgar da patinação radical e de velocidade pelo país. Em Brasília, é conhecida pelo engajamento social e pelas aventuras em cima das quatro rodas. Seu primeiro projeto independente foi aula de patinação para adultos – Patinação em Segundo Tempo. Apenas em 2004, após sofrer um acidente grave de skate, Tuca resolveu colocar em prática a idéia do projeto com crianças carentes.

Com o apoio da família e após passar quase um ano em repouso absoluto, Tuca se recuperou e voltou a patinar. “Tive traumatismo craniano e facial, tirei osso da bacia para colocar na clavícula, que estava destruída”, conta. “Eu percebi que eu estava desenvolvendo o projeto certo de maneira errada, eu deveria dar mais oportunidade às pessoas”, explica.

No dia 9 de maio de 2005, o Projeto começou finalmente a funcionar. A partir de então, Tuca reuniu os patins que estavam esquecidos no armário e distribuiu para seus primeiros cinco alunos. Aos poucos, a quantidade de alunos aumentou e, consequentemente, a necessidade de mais acessórios. Hoje ela garante animada: “Estou com 14 crianças e, por enquanto, é o máximo que eu agüento”.

Nas viagens a outros países, Tuca e seus alunos também aprendem novas técnicas para implantar no Brasil. Thaíse foi à Itália há dois meses atrás. “Aprendi novas técnicas, a história de outro país, conheci pessoas novas e ano que vem, espero poder competir”, diz animada e esperançosa. Quando questionadas o que querem ser quando crescer, nenhuma das crianças pensam para responder: patinador profissional.

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