NaPrática - jornal laboratório do IESB
Quando a Família Real chegou ao Brasil, em 1808, a Corte portuguesa aderiu sem restrições o luxo e a grandeza do poder. A realeza passou a ser um espetáculo, com construções magníficas e demonstrações de uma nação gloriosa. Quase 200 anos depois, ainda é possível perceber o deslumbramento da elite com o poder.
Os terrenos da Avenida das Nações – L4 sul - estão sendo ocupados por grandes tribunais do judiciário brasileiro. Primeiro o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e depois o Tribunal Superior do Trabalho (TST). Dentro dos próximos anos, serão inauguradas sedes do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), e, em 2015, a sede palaciana do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1).
O tribunal de meio bilhão
No Brasil existem cinco TRFs. O maior é o da 1ª Região que abrange, além do Distrito Federal, 13 estados e representa 80% do território nacional. Com essa justificativa, o tribunal construirá um complexo de 169 mil metros quadrados composto de quatro prédios, gabinetes, plenários, salas para os motoristas dos desembargadores, sala para os advogados, centro cultural, depósitos de processos, creche, restaurante, bancos e lojas. Com a arquitetura de Oscar Niemeyer, nos mesmos moldes dos outros dois tribunais já construídos na L4, a obra custará R$498 milhões aos cofres públicos.
Atualmente, a principal sede do TRF1 fica no Setor de Autarquias Sul, e tem uma área de 50 mil metros quadrados. As funções administrativas são distribuídas em nove prédios, alguns localizados a 11 quilômetros de distância da sede principal, o que torna o trabalho lento e caro. Com a nova sede, o número de funcionários também vai aumentar. Até 2015, serão 51 desembargadores federais, em relação aos 27 atuais. Hoje, mais de dois mil servidores trabalham no TRF1 e é por onde passa, por ano, mais de 68 mil processos.
O TRF da 2ª Região, que representa o Rio de Janeiro e Espírito Santo, também passará por reforma. A sede atual ficou pequena. O espaço seria insuficiente para guardar os processos e alocar a quantidade necessária de funcionários. São três mil servidores que facilitam o trâmite de um pouco mais de 75 mil processos por ano. A nova sede terá 138 mil metros quadrados e um custo bem menor, de R$ 115 milhões. Para o professor da UnB e especialista em Finanças Públicas, Roberto Piscitelli, se a reunião dos prédios em um único espaço objetivar a melhoria do serviço, a construção é bem-vinda. “O objetivo da obra é o serviço que será prestado à população e não futilidades dos ministros”, diz.
Assim como o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o Tribunal Superior do Trabalho (TST), o TRF1 é um tribunal de segunda instância. Ou seja, julga apenas recursos que já passaram pelos Tribunais de Justiça locais. No caso, a obra do tribunal regional será maior e mais cara que a do STJ, que comporta cerca de cinco mil servidores, cinco mil pessoas que passam diariamente pelo tribunal e os 700 mil processos encaminhados por ano – em espera e em julgamento.
A vez do TSE
A grande vala já foi aberta, pedreiros manejam as máquinas e os guardas apontam para as três placas que explicam a obra e garantem o prazo de 36 meses para a construção dos 115 mil metros quadrados da nova sede do TSE. O valor chega a R$ 336,7 milhões. No último dia 22, o Ministério Público Federal pediu a suspensão da obra. O trabalho continua até a Justiça Federal conceder ou não o embargo da obra e cancelar os futuros recursos.
Roberto Piscitelli defende que alguns prédios do governo estão em péssimas condições, como o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT). “Se me dissessem hoje que vão reformar o TJ, eu concordaria, pois as pessoas precisam de um conforto mínimo para trabalhar”, explica. “É diferente de reformar apartamentos de deputados e senadores e colocar banheiras de hidromassagem”, exemplifica. O fato citado se refere à extravagância do Poder Legislativo em aprovar a reforma dos 96 apartamentos funcionais dos deputados da Câmara. A licitação já foi aberta. O custo de cada obra custará, em média, R$350 mil. Em cada apartamento uma banheira de hidromassagem.
Piscitelli acha ainda que as pessoas criticam as obras sem embasamento. Ele considera importante perceber que as atuais sedes dos tribunais já possuem restaurantes para os servidores, um espaço cultural para exposições e eventos, e que a creche é prevista em lei quando uma instituição tem um número mínimo de servidores.
A cidade de Niemeyer
Os brasilienses vivem cercados de obras de Oscar Niemeyer. Alguns prédios nem são reconhecidos como obras do arquiteto, como o antigo Touring Clube, na rodoviária, que é tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Quando Lúcio Costa ganhou o concurso nacional para planejar a cidade, Niemeyer garantiu que vários prédios levassem a valiosa assinatura. O Museu Nacional e a Biblioteca Nacional, inauguradas em 2006, são planos de quase 40 anos atrás. Mas os tribunais, não.
As obras recentes da Avenida das Nações são projetadas pelo arquiteto e não passam por licitação ou concurso nacional, devido ao status de “notória especialização” a ele concedido. Segundo o diretor da Diretoria de Patrimônio Histórico e Artístico da Secretaria de Cultura do Distrito Federal, José Carlos Coutinho, a beleza da obra de Niemeyer é inquestionável. “Muita gente acha que Brasília é criação de Oscar Niemeyer, tamanho é o brilho do seu trabalho”, diz. Desde 2001, o escritório Arquitetura e Urbanismo Oscar Niemeyer já recebeu R$ 10,6 milhões por serviços realizados para o governo federal. Este ano, a empresa já recebeu cerca de R$ 1,3 milhão apenas pelo conjunto de pré-projetos para a nova sede do TSE.
O professor da Faculdade de Urbanismo e Arquitetura da UnB, Frederico Flóstole, é a favor de concurso público para a construção dos tribunais. Para justificar sua tese, ele explica que quando Lúcio Costa ganhou o concurso nacional para planejar Brasília, ele tinha apenas boas idéias. “O concurso foi a oportunidade da vida dele de crescer e ser quem ele é hoje em dia”, diz. “Hoje isso não é mais possível, pois Niemeyer não deixa os arquitetos menores crescerem”, acrescenta.
Ele ainda vai mais longe. “Oscar Niemeyer não é maior que a lei, mas ainda assim está anulando dezenas de novos talentos”, indigna-se. José Coutinho explica ainda que, por mais que outros arquitetos percam espaço para Niemeyer, ele se identifica com Brasília pela proximidade que teve com o projeto de Lúcio Costa. “É delicado criticar Niemeyer, que continua trabalhando aos 100 anos e fez todas as obras maravilhosas durante a vida”, diz.
Para o professor Frederico Flóstole, Brasília não caminha a favor da modernidade da arquitetura, pois as obras continuam repetindo o que já foi feito há 50 anos. “Todos os prédios dos tribunais têm a mesma forma, tudo se parece, ele está construindo a própria supremacia”, critica.
Quando a Família Real chegou ao Brasil, em 1808, a Corte portuguesa aderiu sem restrições o luxo e a grandeza do poder. A realeza passou a ser um espetáculo, com construções magníficas e demonstrações de uma nação gloriosa. Quase 200 anos depois, ainda é possível perceber o deslumbramento da elite com o poder.
Os terrenos da Avenida das Nações – L4 sul - estão sendo ocupados por grandes tribunais do judiciário brasileiro. Primeiro o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e depois o Tribunal Superior do Trabalho (TST). Dentro dos próximos anos, serão inauguradas sedes do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), e, em 2015, a sede palaciana do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1).
O tribunal de meio bilhão
No Brasil existem cinco TRFs. O maior é o da 1ª Região que abrange, além do Distrito Federal, 13 estados e representa 80% do território nacional. Com essa justificativa, o tribunal construirá um complexo de 169 mil metros quadrados composto de quatro prédios, gabinetes, plenários, salas para os motoristas dos desembargadores, sala para os advogados, centro cultural, depósitos de processos, creche, restaurante, bancos e lojas. Com a arquitetura de Oscar Niemeyer, nos mesmos moldes dos outros dois tribunais já construídos na L4, a obra custará R$498 milhões aos cofres públicos.
Atualmente, a principal sede do TRF1 fica no Setor de Autarquias Sul, e tem uma área de 50 mil metros quadrados. As funções administrativas são distribuídas em nove prédios, alguns localizados a 11 quilômetros de distância da sede principal, o que torna o trabalho lento e caro. Com a nova sede, o número de funcionários também vai aumentar. Até 2015, serão 51 desembargadores federais, em relação aos 27 atuais. Hoje, mais de dois mil servidores trabalham no TRF1 e é por onde passa, por ano, mais de 68 mil processos.
O TRF da 2ª Região, que representa o Rio de Janeiro e Espírito Santo, também passará por reforma. A sede atual ficou pequena. O espaço seria insuficiente para guardar os processos e alocar a quantidade necessária de funcionários. São três mil servidores que facilitam o trâmite de um pouco mais de 75 mil processos por ano. A nova sede terá 138 mil metros quadrados e um custo bem menor, de R$ 115 milhões. Para o professor da UnB e especialista em Finanças Públicas, Roberto Piscitelli, se a reunião dos prédios em um único espaço objetivar a melhoria do serviço, a construção é bem-vinda. “O objetivo da obra é o serviço que será prestado à população e não futilidades dos ministros”, diz.
Assim como o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o Tribunal Superior do Trabalho (TST), o TRF1 é um tribunal de segunda instância. Ou seja, julga apenas recursos que já passaram pelos Tribunais de Justiça locais. No caso, a obra do tribunal regional será maior e mais cara que a do STJ, que comporta cerca de cinco mil servidores, cinco mil pessoas que passam diariamente pelo tribunal e os 700 mil processos encaminhados por ano – em espera e em julgamento.
A vez do TSE
A grande vala já foi aberta, pedreiros manejam as máquinas e os guardas apontam para as três placas que explicam a obra e garantem o prazo de 36 meses para a construção dos 115 mil metros quadrados da nova sede do TSE. O valor chega a R$ 336,7 milhões. No último dia 22, o Ministério Público Federal pediu a suspensão da obra. O trabalho continua até a Justiça Federal conceder ou não o embargo da obra e cancelar os futuros recursos.
Roberto Piscitelli defende que alguns prédios do governo estão em péssimas condições, como o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT). “Se me dissessem hoje que vão reformar o TJ, eu concordaria, pois as pessoas precisam de um conforto mínimo para trabalhar”, explica. “É diferente de reformar apartamentos de deputados e senadores e colocar banheiras de hidromassagem”, exemplifica. O fato citado se refere à extravagância do Poder Legislativo em aprovar a reforma dos 96 apartamentos funcionais dos deputados da Câmara. A licitação já foi aberta. O custo de cada obra custará, em média, R$350 mil. Em cada apartamento uma banheira de hidromassagem.
Piscitelli acha ainda que as pessoas criticam as obras sem embasamento. Ele considera importante perceber que as atuais sedes dos tribunais já possuem restaurantes para os servidores, um espaço cultural para exposições e eventos, e que a creche é prevista em lei quando uma instituição tem um número mínimo de servidores.
A cidade de Niemeyer
Os brasilienses vivem cercados de obras de Oscar Niemeyer. Alguns prédios nem são reconhecidos como obras do arquiteto, como o antigo Touring Clube, na rodoviária, que é tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Quando Lúcio Costa ganhou o concurso nacional para planejar a cidade, Niemeyer garantiu que vários prédios levassem a valiosa assinatura. O Museu Nacional e a Biblioteca Nacional, inauguradas em 2006, são planos de quase 40 anos atrás. Mas os tribunais, não.
As obras recentes da Avenida das Nações são projetadas pelo arquiteto e não passam por licitação ou concurso nacional, devido ao status de “notória especialização” a ele concedido. Segundo o diretor da Diretoria de Patrimônio Histórico e Artístico da Secretaria de Cultura do Distrito Federal, José Carlos Coutinho, a beleza da obra de Niemeyer é inquestionável. “Muita gente acha que Brasília é criação de Oscar Niemeyer, tamanho é o brilho do seu trabalho”, diz. Desde 2001, o escritório Arquitetura e Urbanismo Oscar Niemeyer já recebeu R$ 10,6 milhões por serviços realizados para o governo federal. Este ano, a empresa já recebeu cerca de R$ 1,3 milhão apenas pelo conjunto de pré-projetos para a nova sede do TSE.
O professor da Faculdade de Urbanismo e Arquitetura da UnB, Frederico Flóstole, é a favor de concurso público para a construção dos tribunais. Para justificar sua tese, ele explica que quando Lúcio Costa ganhou o concurso nacional para planejar Brasília, ele tinha apenas boas idéias. “O concurso foi a oportunidade da vida dele de crescer e ser quem ele é hoje em dia”, diz. “Hoje isso não é mais possível, pois Niemeyer não deixa os arquitetos menores crescerem”, acrescenta.
Ele ainda vai mais longe. “Oscar Niemeyer não é maior que a lei, mas ainda assim está anulando dezenas de novos talentos”, indigna-se. José Coutinho explica ainda que, por mais que outros arquitetos percam espaço para Niemeyer, ele se identifica com Brasília pela proximidade que teve com o projeto de Lúcio Costa. “É delicado criticar Niemeyer, que continua trabalhando aos 100 anos e fez todas as obras maravilhosas durante a vida”, diz.
Para o professor Frederico Flóstole, Brasília não caminha a favor da modernidade da arquitetura, pois as obras continuam repetindo o que já foi feito há 50 anos. “Todos os prédios dos tribunais têm a mesma forma, tudo se parece, ele está construindo a própria supremacia”, critica.
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