domingo, 2 de março de 2008

Cadeiras inteligentes

Juliana Boechat - Estagiária do Correio

Professores, alunos e ex-alunos dos cursos de engenharia mecânica, mecatrônica e desenho industrial da Universidade de Brasília (UnB) desenvolveram dois projetos voltados para eficientes físicos. Um é o kit motorizador para ser adaptado à cadeira de rodas, e o outro é um aparelho de fisioterapia para os deficientes. A tecnologia será entregue à Associação de Apoio aos Portadores de Necessidades Especiais (Adapte), que vai produzir as cadeiras e vendê-las. O diferencial é o custo do produto. No mercado, uma cadeira de rodas motorizada custa cerca de R$ 8 mil. Nesse projeto, a cadeira normal já com o kit acoplado custa cerca de R$ 2 mil. O aparelho de fisioterapia ainda não tem estimativa. Ao contrário do normal, os preços são baixos porque o material é brasileiro e de fácil acesso no mercado.

Ystonio Oliveira da Silva, 33 anos, é tetraplégico há 17. Por causa de uma briga, levou um tiro nas costas que o impossibilitou de andar. Para ele, a maior dificuldade é a força para puxar a cadeira. “Com o tempo o ombro começa a doer. Não somos jovens para sempre”, diz. A cadeira de rodas dele é comum e custou R$ 1,6 mil, quase o preço da cadeira motorizada desenvolvida pela UnB. Paulo Figueiredo, 39 anos tem uma doença hereditária. Ele tem uma cadeira especial que custou R$ 15 mil. “Não basta você comprar uma cadeira moderna; ela tem que te agradar, encaixar no seu biotipo. Já ter uma cadeira boa e acoplar só o motor é um avanço”, explica.

Novidades
A partir de junho de 2008, os deficientes físicos já poderão comprar o kit. É um joystick como o de videogame e uma bateria. Uma novidade — e facilidade — é que o motor pode ser acoplado ou desacoplado da cadeira quando o usuário quiser. O coordenador do projeto e professor do Departamento de Engenharia Mecânica da UnB, Carlos Humberto Llanos, explica que normalmente, as cadeiras motorizadas precisam ser empurradas quando ficam sem bateria. “Com esse novo sistema, se a bateria da cadeira acabar, o paciente consegue continuar manualmente”. A fisioterapeuta Karla Cristina Marques, que mostrou aos engenheiros quais são as necessidades dos deficientes físicos, acredita que o projeto seja inovador. “Aumenta a funcionalidade e a independência da pessoa. Agora, o usuário vai para onde quiser, quando quiser. E o preço é acessível”, festeja.

O outro produto lançado pela equipe é o aparelho de fisioterapia. É como se fosse uma bicicleta. Uma base e uma haste com pedais para encaixar os pés, e pedais para apoiar as mãos. Quem é paraplégico apóia os pés no pedal de baixo e, com as mãos no pedal de cima, força o movimento para exercitar as pernas. O tetraplégico — com paralisia em todos os membros — também podem se exercitar. Eles apóiam os pés e as mãos nos pedais e ligam o motor, que faz o movimento desejado. O sistema ainda apresenta um botão que regula a velocidade do exercício. “Esse aparelho dá a movimentação que o paciente não está apto a fazer. Por ficar muito tempo sentado, ele se acostuma à posição e fica propenso a lesões na pele e atrofias musculares”, explica Carla. Ela diz ainda que esse tipo de exercício já é realizado nas sessões de fisioterapia, mas que a força não é a mesma.

A empresa da encubadora da UnB pertence a ex-alunos de mecatrônica e foi uma das colaboradoras do projeto. Para o ex-aluno Carlos Alberto Cascão Júnior, a maior novidade da “bicicleta” é a possibilidade de controlar a velocidade dos pedais e ajustar a haste ao tamanho do usuário. Paulo César de Sousa, 33 anos, perdeu os movimentos das pernas e dos dedos da mão há sete anos, quando levou um tiro no pescoço que atingiu a medula. Ele diz que não utilizava a bicicleta nas sessões de fisioterapia porque não conseguia realizar o exercício de maneira correta. Por ter dificuldade de se movimentar, ele depende quase que totalmente dos filhos e de quem queira ajudá-lo.

Os responsáveis pela criação dos produtos — desde a idéia até a produção final — mostraram o resultado ontem, às 16h, na reitoria da UnB. O engenheiro mecatrônico da empresa Samuel César Júnior sente que apenas uma parte do projeto foi concluída. “Tem tudo para dar certo, basta a Adapte dar continuidade à produção”, diz.

A Adapte é uma entidade não governamental que desenvolve vários trabalhos sociais com os cadeirantes. Eles têm uma pequena oficina onde os voluntários associados consertam cadeiras, adaptam sistemas motorizados e fazem adaptações em carros. Mais de 600 cadeiras já passaram pelas mãos dos 2 mil associados da ONG. Eles recebem ainda sessões gratuitas de fisioterapia, aulas de informática e montagem de microcomputadores e oferecem cursos de alfabetização a jovens e adultos de Ceilândia.

Para realizar o projeto, UnB e Adapte se uniram para um bem comum. Com o financiamento da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e a gerência da Fundação de Empreendimentos Científicos e Tecnológicos (Finatec) e uma bolsa do Ministério da Ciência e Tecnologia, a universidade conseguiu desenvolver o projeto.

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