sábado, 29 de março de 2008

No tempo dos quintais




Juliana Boechat - Estagiária do Correio

Assim que Lucas Victor da Silva, 12 anos, chega da escola, ele almoça, faz o dever de casa e vai para a rua brincar com os amigos. O grupo de seis garotos gosta de jogar bola, soltar pipa e andar de carrinho de rolimã. Ele tem computador, mas acha sem graça ficar em casa e conversar com os amigos pela internet. E então, inventa as brincadeiras e constrói junto com os colegas e o pai os brinquedos de rua, como antigamente.

Pipa, carrinho de rolimã e bete (jogo infantil originado do beisebol) são as suas especialidades. Ele até se compara com um dos personagens mais famosos de Ziraldo, o Menino Maluquinho, que brincava na rua, criava brincadeiras e despertava curiosidade nas crianças e saudade nos pais, que viviam assim na infância. Essa realidade pode parecer demodê para alguns, mas ainda é possível encontrar crianças que preferem brincar na rua a ficar dentro de casa no computador.

As brincadeiras de antigamente são divertidas e baratas, mas com o passar do tempo foram trocadas por computadores, videogames e tecnologias caras. Para Lucas, passar a tarde na rua é, além de um momento de diversão, um grande passa tempo: “Quando saímos para brincar, ficamos quase o dia inteiro na rua. Reúno todos os meus amigos aqui perto e jogamos bola, soltamos pipa, andamos de patinete e nos divertimos muito”, conta.

Criatividade
Ele ainda vai mais além e monta os brinquedos com peças que encontra perto de casa ou que acha em algumas lojas no comércio, como foi o caso do patinete de rolimã. “Achei madeiras na minha casa, meu amigo pegou umas rodinhas na borracharia e meu pai ajudou a pregar as tábuas para criar o rolimã”, conta como se fosse fácil. Depois foi só reunir os amigos no alto da rua e descer com o vento no rosto, a parte preferida da brincadeira.

Também foi dele a idéia do material para jogar bete. O kit vendido em lojas é composto por dois tacos de madeira e duas casinhas, também de madeira, industrializadas e bem bonitinhas. Durante o jogo, cada dupla tem que derrubar a casinha do adversário com o rebate da bola, normalmente não muito dura para não machucar as crianças.

Quando Lucas e os amigos resolvem jogar bete, eles pegam dois cabos de vassoura, uma bolinha qualquer e montam as casinhas com garrafas pet de refrigerante. Lucas sempre gostou de montar os brinquedos, mas antes disso costumava fazer pulseiras em casa com a mãe e a tia em dias chuvosos em que ele não podia sair. Depois foi só juntar o útil ao agradável.

Os modernos
Mas encontrar um Lucas por aí pode não ser tão comum como já foi um dia. Carrinho de rolimã virou patinete motorizado, pular corda é a última opção das meninas e brincadeiras com elástico e pião ficaram realmente fora de moda. Para ser cool hoje, tem que ter os videogames e computadores modernos e saber conversar tudo sobre tecnologia.

Enquanto pais e avôs têm que ler manuais de aparelhos tecnológicos, a geração atual age como se já nascesse sabendo. Clara Maul Canedo Xavier, 9 anos, vive entre o mundo das brincadeiras de rua e da magia dos computadores. As conversas dos amigos de escola são sobre videogame e outros jogos virtuais. Mas mesmo que ela tenha um computador e saiba usá-lo perfeitamente, prefere ir à rua brincar com as amigas.

Talvez essa não seria a realidade de Clara se a mãe dela, apaixonada pelas brincadeiras que teve na infância, não tivesse dado um empurrãozinho. “Na minha infância, esses brinquedos e brincadeiras tinham grande valor, então tento passar um pouco dessa realidade para ela”, conta a mãe Fernanda. “Se brinco no computador, fico sozinha. Prefiro ir para a rua com meus amigos”, explica Clara.

Fernanda deu a Clara como presente do Dia das Crianças do ano passado um conjunto de cinco-marias. O jogo é muito simples, mas requer concentração e testa reflexos. São cinco saquinhos recheados de grãos ou, em caso de improviso, servem até mesmo pedrinhas. A pessoa joga um dos saquinhos para cima e, enquanto ainda está no ar, pega outro pacotinho no chão bem rápido, em tempo de agarrar o que está no ar, antes que toque no chão. O grau de dificuldade aumenta toda vez que as cinco-marias são capturadas.

Convivência
Para as crianças, também faz parte da diversão montar os brinquedos, organizar as brincadeiras e aí sim brincar. Lucas constrói os brinquedos, mas Clara compra todos prontos. Há opção para todo mundo. Várias lojas em Brasília se especializaram em brinquedos feitos de pano e madeira e que relembram a “velha infância”. A dona de uma das lojas, Valéria Grassi, explica que tem prazer em proporcionar o resgate da imaginação dos jovens.

“Hoje em dia, as crianças ficam adultas cada vez mais cedo, elas ganham brinquedos já prontos e não precisam se esforçar em nada”, analisa. O professor do instituto de psicologia da Universidade de Brasília (UnB), Áderson Luiz Costa Junior, concorda com Valéria e acrescenta que, para ele, a maior qualidade dos brinquedos e brincadeiras antigas é a convivência em grupo.
As brincadeiras vão além da diversão, são verdadeiras lições de vida. “A oportunidade de se envolver com esses brinquedos estimula a socialização da criança e trabalha a interação social”, explica o psicólogo. Segundo ele, desde criança a pessoa que se diverte dessa maneira aprende a perder, a criar regras, a esperar, além de identificar modelos diferentes de comportamento e achar a própria personalidade.

Nenhum comentário: