quinta-feira, 5 de junho de 2008

Uma mão lava a outra


Juliana Boechat
Foto: Paulo Henrique - CB

A dona-de-casa Gidalva Silva de Jesus, 44 anos, mora na última casa de uma rua de terra batida no Varjão. A varanda, protegida por uma cerca de madeira, tem geladeira, máquina de lavar e mesa de plástico. Seis caixas empilhadas também chamam a atenção do visitante. Ali estão guasrdadas barras de sabão reciclado feitos pela moradora. Gidalva aprendeu a produzir o material no Projeto Biguá, em dezembro do ano passado. Desde então, ela gasta R$ 0,50 para produzir o produto com óleo de cozinha e vende por R$ 1,50 em feiras na cidade. "É um dinheiro que ajuda a pagar as contas da casa", explica.

O programa de reciclagem do óleo mudou a rotina da dona-de-casa. Agora ela transforma em sabão o que antes seguia ralo abaixo. "É uma terapia. Aprendi o mal que o óleo pode fazer no meio ambiente. Agora passo as tardes trabalhando com algo que eu gosto. Eu jogava óleo pelo esgoto e agora me ocupo e ainda tenho uma renda a mais", diz. Ela sempre trabalhou no posto de saúde da comunidade, mas no meio do ano passado decidiu deixar o emprego e vender marmitas. A partir de então, Gidalva ficou insatisfeita, pois não sabia como ocupar as tardes durante a semana. Mas a maior mudança que o projeto causou na vida de Gidalva foi a união da família. "Todo dia à noite, a minha família me ajuda a fazer os sabões. Temos tempo para conviver, conversar sobre a vida, contar coisas do dia. É muito bom", conta satisfeita.

O trabalho da dona-de-casa depende de alguém que vive perto dali. A socióloga e coordenadora da ONG Movimento Ecológico Dolores Pierson, 50 anos, mora a menos de 10km de Gidalva, no Lago Norte. A casa dela é grande, com jardim amplo e decoração indígena. E dali sai a matéria-prima do sabão de Gidalva. O produto final ainda é (re) utilizado por Dolores para lavar pratos e roupa. Mesmo com realidades bem diferentes, o Projeto Biguá, organizado pela Companhia de Saneamento Ambiental do Distrito Federal (Caesb), integrou as duas comunidades e promoveu a integração social e a preservação do meio ambiente.

A idéia do projeto surgiu com coleta de lixo e não demorou muito para evoluir e virar reciclagem de óleo de cozinha. A socióloga Dolores tomou conhecimento do projeto no fim do ano passado e percebeu o mal que a substância jogada fora estava fazendo à natureza. Percebeu, assim, que poderia ajudar o próximo. A exemplo de Gidalva, a rotina da moradora do Lago Norte mudou. Mesmo gastando um pouco mais de tempo no dia-a-dia, faz questão de cuidar do destino do óleo. Dolores coa o óleo usado e armazena em uma lata de alumínio até esfriar. Ela, então, coloca a gordura em garrafinhas pet de 250 ml e leva a um posto de coleta próximo de casa, na QI 3 do Lago Norte. Dolores garante que vale a pena: "A destinação do óleo é nobre. Vale a pena mudar um pouco o dia-a-dia para ajudar."

Cuidados
Especialistas em preservação do meio ambiente alertam para os perigos do óleo de cozinha desepejado nas pias dos brasilienses. O professor Marco Antonio Almeida Sousa, do Departamento de Engenharia Civil e Ambiental da Universidade de Brasília (UnB) explica que o produto é apenas um tipo de gordura responsável pela degradação da natureza. E sugere que o material seja cada vez menos utilizado.

Segundo ele, o óleo não é tóxico. Mas entope encanamentos da rede de esgoto e polui mananciais. O Distrito Federal tem nascentes de três bacias hidrográficas: São Francisco, Tocantins e Paraná. "Nas nascentes, pequenas quantidades de óleo podem virar uma grande poluição", ressalta. As 6 mil casas do Lago Norte produzem cerca de 9 mil litros de óleo por mês. Por isso, quatro postos de coleta deste material foram distribuídos para incentivar a população a participar do projeto (ver quadro). "Reciclar é sempre a melhor opção", garante Marco Antonio.

Em dezembro do ano passado, 30 mulheres do Varjão se reuniram para aprender sobre a produção do sabão reciclado e os males que o óleo de cozinha causa na natureza. Dessas, apenas seis foram selecionadas para iniciar a pequena cooperativa. Depois, um grupo foi formado para manter o projeto, com distribuição de banners e panfletos no Lago Norte. O coordenador do projeto, Fernando Starling, pensa em levar o Biguá para as demais cidades do DF. "Vamos esperar a primeira parte dar certo para darmos o próximo passo", explica. "São Sebastião e o Lago Sul podem ter o mesmo tipo de relação de econegócio", sonha.

Pontos de coleta
Construshopping – QPPN QI 13
Supermercado Big Box – EPPN QI 10
Colégio Indi Bibia – SHIN QI 3 / 5
Prefeitura Comunitária da Península Norte – EPPN QI 3 (Ao lado da Igreja Nossa Senhora do Lago).

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