Quando pequena, mudei de escola várias vezes. Uma média de dois anos em cada lugar. No início era um sacrifício. Não dormia na véspera da primeira aula e me sentia completamente perdida nos novos lugares. Errava escadas e entrava em salas erradas. No segundo grau, percebi que gostava das mudanças. Na faculdade, fiquei aliviada de achar que essa constante adaptação acabaria.
Mal sabia eu que estava só começando.
Logo no 3º semestre de Jornalismo consegui meu primeiro estágio. E um ano depois, pedi minha primeira demissão. De 2006 até o meio de agosto deste ano foram quatro pedidos como aquele. Quatro dias nervosos, treinando na frente do espelho como falar com o chefe. De todos eles, só um tinha me arrancado lágrimas até então: o Ministério da Defesa.
Mas a quinta despedida, em 29 de agosto, foi a pior. A garganta fechou, o nariz doeu, e não consegui me segurar. Entrei no carro e desabei.
No caminho, lembrei do dia da entrevista no Correio Braziliense, no fim do ano passado. Cheguei bem antes das 16h, hora marcada por Samanta. Sentei no meio fio da frente do jornal, em frente à caixinha dos Correios e esperei a hora de subir para não parecer desesperada pelo estágio. Mas eu estava desesperada. Era tudo o que eu queria desde que entrei na faculdade! Finalmente peguei o crachá provisório e subi as largas escadas. Me deparei com um hall silencioso, com sofazinhos, e uma porta de vidro escrito REDAÇÃO. Ali dentro, plaquinhas de editorias pendendo do teto, "aquários" no final do corredor e tubo de ar condicionado laranja.
Perdida, perguntei à menina linda, loira e pequenininha (mais tarde virou Elisa Tecles) sentada na ponta da primeira bancada quem era Samanta Sallum. Ela me indicou uma moça alta, magra e muito bem vestida. A famosa editora de Cidades veio pelo corredor, me cumprimentou com as mãos bem finas, sentou comigo no sofazinho e começou o terrorismo: "Cidades é o pior lugar do mundo, você quer trabalhar aqui?". "Quero", eu repetia para tentar convencê-la.
E deu certo. Duas-semanas-sem-dormir depois, voltei ao jornal para assinar o contrato. I was living a dream.
A minha primeira matéria foi em Planaltina. Eu e o fotógrafo Marcelo Ferreira. Tive que escrever 50 linhas sobre uma escola pública que estava entre as 10 melhores do Brasil. Fiquei tão nervosa em escrever a matéria certa, que ficou muito ruim. Nem me lembro como escrevi tudo aquilo. (Não tenho coragem de ler a matéria até hoje).
Mas depois tudo melhorou. Ia toda semana à Planaltina, Taguatinga, Ceilândia. Subi o morro de São Sebastião, ouvi histórias de muitas pessoas, comi em restaurantes esquisitos em lugares esquisitos e torrei no sol. Fiz plantão no IML e fiquei impressionada com a quantidade de menino algemado, fui para o meio do entulho, tomei chuva e voltei para o jornal com a calça molhada até o joelho e andei de lancha. Fui em escolas em que os diretores são ameaçados de morte diariamente, conheci o embaixador da Itália, corri atrás do Arruda, fiz matéria de trânsito, cacei personagens impossíveis, ajudei em matérias aterrorisantes e participei de um caderno especial. E conheci repórteres sensacionais.
Guilherme Goulart, repórter de polícia, sentava do meu lado. Me chamou um dia e cortou os "jás", "ques" e deu forma ao meu texto. Renato Alves, repórter especial, me aconselhou a não conviver só com jornalistas, corrigiu meus textos, me pressionou, me criticou e me elogiou. Adriana Bernardes me pedia os personagens mais impossíveis e eu ficava orgulhosa em encontrar todos. Helena Mader, me ensinou tudo sobre a bagunça de regularização dos condomínios e me deu autonomia. Roberto Fonseca me enviava para pautas legais e acreditava que eu conseguiria. Carlos Tavares gritava comigo e depois vinha conversar. Torreão só gritava. E assim eu aprendia.
Também aprendia a gostar de tods essas pessoas. Aos poucos, elas perderam os sobrenomes. Guilherme, 30 anos, parecia ter 12. Fazia piadas o dia inteiro. Renato, se fingia de bravo e ranzinza, mas é um amor. Adriana tem o sotaque mineirês mais engraçado e fala palavrão o dia inteiro. Helena "é um guri". Gizella gosta de baixaias. Paixão, de Gates. Pablo, João, Leilane, Gabriel... Depois Diego, Lívia e Lúcio. Eu só conseguia, com olhar de paisagem, gostar de tudo aquilo e ficar orgulhosa de estar ali.
Mas mais uma vez chegou a hora de mudar. Com um aperto no peito, não volto na segunda-feira, às 13h, para a reunião de pauta. Vou trabalhar com política e correr outros riscos, ter outras experiências. A insegurança e ansiedade foram amenizadas pelos desejos de boa sorte e abraços das pessoas que se tornaram tão especiais. Até mesmo das que eu menos esperava o retorno. "Juliana, boa sorte, porque o talento você já tem".
Mais uma vez vou ficar sem dormir na véspera. Mais uma vez vou ter que começar tudo do zero. Mais uma vez estou ansiosa. Mais uma vez meu coração fica apertado, torcendo para tudo dar certo. Mais uma vez desabei em lágrimas. Mais uma vez vou sobreviver a tudo isso.