segunda-feira, 29 de junho de 2009

Kapeta, apenas garçom de um café


Texto publicado no caderno Persona, meu trabalho de conclusão de curso na faculdade de Jornalismo.

29 de junho de 2009

"O Kapeta está ali”, apontou a gerente do café Martinica, na 303 Norte. Não foi fácil reconhecer. O garçom, de quase 1,60m, estava sem os óculos de lentes coloridas que usa sempre, e com os cabelos longos presos em um coque. Parecia até um garçom qualquer. Recolhia os copos de uma mesa de um casal que acabara de comer, enquanto propunha ao homem: “Vem aí na outra segunda-feira, que a gente joga um xadrez”. Enquanto isso, a gerente batia impaciente a pastinha com a conta de outra mesa no balcão, esperando pelo garçom conversador.

Mas o Kapeta é assim, conversa com todo mundo que chega ao café. A gerente, os outros garçons e os clientes já estão acostumados. Ninguém reclama, ninguém estranha. Seis mulheres, que escolheram o local para jantar e beber depois do trabalho numa sexta-feira, cochichavam. A de cabelos castanhos apontou para o garçom e disse à amiga: “Aquele ali é o famoso Kapeta, garçom aqui do café”. Como se precisasse explicar. “É, eu sei”, respondeu a loira, analisando o Kapeta dos pés à cabeça. Ele passou por elas com pressa em direção ao balcão, sem perceber que era o assunto da mesa. Kapeta nem liga mais para os curiosos.

Para conversar, ele tira os óculos de lentes escuras – marrons ou azuis – e, com os olhos verdes, fixa nos olhos da pessoa. Parece estar analisando tudo o que escuta e pensando mil coisas ao mesmo tempo. “É muito difícil estar presente vivendo todos os instantes. Enquanto converso com você, também estou pensando em como encerrar essa conversa, por exemplo”, explica, sem cerimônia. Contar sobre a própria vida, aliás, é algo que ele não gosta muito. Mas sempre se rende. “É que é muito difícil parar de falar sobre a vida”, analisa. Então, ele tira um bloquinho de papéis picotados presos por um elástico e anota: Marcos Tadeu – KPTA - e um número de telefone fixo.

Pode ser o número da casa dele, do Martinica e até mesmo do Beirute – o da Asa Sul. É que Marcos não tem celular, nem computador, muito menos essas modernidades de MSN, Orkut, Twitter e afins. É um “analfacibernético”, como gosta de dizer. Mesmo assim, Kapeta é muito antenado com os acontecimentos do mundo graças a livros, revistas, e um radinho - desses que liga na tomada -, companhia de Kapeta nas madrugadas. Ele gosta de ouvir Rádio Câmara e Rádio Senado. “É bom para aprender sobre o discurso das pessoas. E só durmo quando clareia o dia”, explica. Então ele dorme o dia inteiro e trabalha à noite, certo? Nada disso.

“Meus anos de UnB não são tudo”
O dia de Kapeta é bem cheio. Mesmo sem cumprir os horários determinados, ele chega cedo à Universidade de Brasília (UnB), onde cursa Filosofia há 28 anos. Enquanto alguns alunos não vêem a hora de se formar, lá está Marcos Tadeu Baesse, tranqüilo, sem pressa para mudar de vida aos 51 anos de idade. “Meus vários anos de UnB não são tudo o que eu tenho”, conta, cansado de responder sempre à mesma pergunta. Toda vez que é jubilado, ou seja, expulso da universidade por reprovar mais de três vezes a mesma disciplina ou por faltar demais, Marcos Tadeu presta outro vestibular e começa um semestre novo.

Depois de alguns vestibulares, ele despertou a curiosidade até das pessoas que não conhece. Alguns até criaram teorias para explicar este fato inusitado: “Ele faz isso de propósito para continuar morando na Casa do Estudante Universitário (alojamento da UnB para alunos de baixa renda)”. Esse argumento não vale mais. Hoje em dia, Kapeta mora num apartamento na 210 Norte. E ainda assim continua com o status de estudante. Só vai para casa depois das aulas, por volta das 17h30, dá uma dormida – ninguém é de ferro – e está pronto para trabalhar lá pelas 19h. O fim do expediente é às 2h, 3h da madrugada. E está satisfeito assim. “Eu não estou perseguindo andar de carro por aí, ter celular, nem ter dinheiro. Cada um tem que fazer uma escolha”, explica.

Quem só conhece estes fatos da vida de Kapeta pode achar que ele é uma pessoa despreocupada e sem ambições, já que nunca se formou e se contenta com a rotina de garçom há mais de 20 anos. Ele mesmo tenta passar essa impressão, quando deixa em aberto: “Você quem sabe! Eu não me importo com nada”. Mas basta conversar pouco mais de meia hora com ele para se vislumbrar com uma pessoa completamente diferente. Kapeta é, sim, uma pessoa preocupada. Até demais, quando se trata de alguns assuntos. Um deles, é Tadeu, seu filho de 5 anos. E, depois, “a autonomia do pensamento”. Como uma utopia, Kapeta tenta se livrar diariamente de tudo o que lhe prende ao “comportamento urbano”. “Você tem que se ‘assenhorar’ da sua razão e não ficar repetindo a razão dos outros. É muito mais fácil ser levado do que ter consciência. E consciência tem tudo a ver com autonomia”, explica, concentrado.

O garçom adora conversar. Na verdade, fala sem parar. Foge do assunto várias vezes durante a conversa para citar um pensador, contar outra história ou explicar alguma teoria. Como bom filósofo, não gosta de definir nada, ninguém, muito menos a si mesmo. Fala de forma pausada, tomando cuidado com cada palavra escolhida.

Para não ser interrompido, prefere conversar no salão de jogos do prédio comercial onde fica o Martinica. É uma sala “guarda-tudo” do café, que tem mesas de madeira empilhadas e tralhas em geral. Recebeu o apelido “salão de jogos” porque é onde se arma uma mesinha, colocam-se duas cadeiras e vira o local perfeito para uma partida de xadrez ou dominó com os porteiros do prédio. É nessa salinha também que Kapeta guarda a bicicleta, o único meio de transporte. Ele tem carro, mas está parado na garagem de casa há quatro anos. Seria mais uma coisa para prendê-lo ao “sistema” – e isso ele não suportaria.

Quando está à vontade, Kapeta usa óculos escuros redondos com lentes azuis e deixa o cabelo grisalho solto até a cintura. Veste sapato, calça, blusa de manga comprida preta e outra por cima com o nome do escritor Franz Kafka, em um branco meio falho. Ele parece muito Ozzy Osbourne, ex-vocalista da banda de rock Black Sabbath – em bom português, sábado negro. Num ataque de euforia, Ozzy chegou a comer um morcego vivo no palco, na frente de milhares de fãs que foram à loucura. Kapeta, mesmo com o apelido, não chega a ponto de tamanha insanidade. Até porque Black Sabbath nem é o ícone da música para o garçom. Ele gosta mesmo da banda punk The Clash. E isso sim ele repete quantas vezes precisar, para quem quiser ouvir.

O apelido e a gíria
O nome Kapeta surgiu em 1978, e também nada tem a ver com qualquer referência demoníaca. Marcos Tadeu é um cara inteligente e culto. E, ao mesmo tempo, despojado. Então chama a atenção quando fala palavras incomuns como “burilada”. E gírias do tipo “véi” e “sacou?”. Às vezes, sai tudo na mesma frase. Mas houve um tempo em que as gírias eram outras. E Marcos gostava de adjetivar tudo e todo mundo com “kapeta”. (Com K porque ele gosta que seja assim - e por que seria com o convencional “c”?) E foi em uma viagem para o sul da Paraíba com colegas de faculdade, no fim da década de 1970, que ele se empolgou com um assunto e gritou um enfático “KAPETA!”. Não precisou de mais nada para o nome mudar de vez. Quase 30 anos depois, o apelido rodou Brasília. Ele é chamado assim até mesmo por quem nunca falou com ele.

Ao olhar para a figura de Marcos Tadeu, é difícil imaginar que ele tenha um filho. É que este detalhe realmente não fazia parte dos planos dele. Há seis anos, conheceu Rosa em uma festa e poucos dias depois foram surpreendidos pela notícia da gravidez. Foi um choque. “Você passa uma vida escrevendo em pedra de bronze o que você é. E aí, de repente, você tem que apagar tudo aquilo. Não é fácil”, filosofou Kapeta que, para começar uma vida nova junto com a chegada de Tadeu, raspou o cabelão que chegava abaixo da cintura. Recémnascido, o pequeno Tadeu costumava fazer sucesso no Martinica, onde era constantemente exibido pelo pai.

Papai Kapeta
O novo Marcos Tadeu teve que aprender a conviver com o dilema de manter a autonomia do pensamento e de depender de uma criança, que também depende dele. Hoje em dia, Tadeuzinho mora só com a mãe. Kapeta almoça com ele aos sábados, o leva para festinhas de aniversário, participa de reunião de pais, tenta ensinar um pouco sobre “autonomia”, e paga uma escola bilíngüe com boa educação no Lago Sul. É a mesma escola, aliás, que as filhas gêmeas do ex-presidente Fernando Collor estudaram até pouco tempo. Kapeta e Collor chegaram a se esbarrar em uma reunião de pais. E como se isso não bastasse, Kapeta ainda compartilha com o ex-presidente o dia de nascimento: 12 de agosto. Só que nove anos depois. Menos mal.

Ele minimiza os acontecimentos da vida dizendo que estas são as únicas figurinhas compartilhadas com o ex-presidente. Na saída às ruas pelo impeachment de Collor, por exemplo, Kapeta preferiu não ir. “Foi tudo armado pelo stablishment, que queria derrubar Collor porque ele estava enfrentando todo mundo, inclusive a Globo”.

E foi neste ponto que a conversa tomou outro rumo: política. Graças às rádios Câmara e Senado, ele acompanha todos os acontecimentos políticos. Sabia em detalhes o bateboca que havia acabado de acontecer no plenário do Senado sobre tal CPI da Petrobras. Citava o nome de cada um dos senadores envolvidos, sorria ao lembrar o que eles falavam e contava as vagas lembranças que tem dos plenários da Câmara e Senado. “É muito enigmático para mim também; todo esse conjunto de acontecimentos vai ocorrendo e a vida tem um fluxo que eu também fico impressionado. É tudo fascinante, encantador”, filosofa mais uma vez.

Quando percebeu que já era perto de meia noite, Kapeta resolveu encerrar a conversa e procurar uma carona para o Beirute da Asa Sul, o bar favorito. “Não me arrependo de nada”, finalizou. Cada fase da vida dele, mesmo que bem longe do convencional, foi um grande aprendizado.

Foi durante o curso de Artes Plásticas, na UnB, antes de optar pela Filosofia, que ele descobriu, por exemplo, o artista dadaísta francês Marcel Duchamp. “Eu ficaria muito satisfeito em ser apenas um garçom de café”, declarou Duchamp, cansado da pressão que sofria no meio artístico. Aquilo pegou Kapeta de jeito. “Sou igual a Duchamp, apenas um garçom de café”, falou, olhando para o horizonte, o nada insignificante garçom do café Martinica, na 303 Norte.

quarta-feira, 18 de março de 2009

Toffoli, o homem das 25 armações. Ou 37


Publicada no Blog do Noblat em 18 de março de 2009

Se José Antonio Toffoli ganhará uma vaga de ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), só o tempo dirá. Enquanto isso, ele se contenta com o cargo de advogado-geral da União e com a reputação de um dos homens mais estilosos da República.

Todos os dias de manhã, ele escolhe com cautela os argumentos jurídicos para sustentar na frente dos ministros, a gravata e os óculos de grau que formarão o conjunto. Ele diz que são 25 óculos no total. Há quem diga que o número chega a 37.

Nos dias de embate, em que precisa subir na tribuna do STF para defender as posições do governo, Toffoli opta pela armação lilás com detalhes em metal da marca Armani e uma gravata rosa ou vermelha.

- As cores dizem muito: o vermelho e o roxo representam a tensão. O azul é aproximação - explicou.

Nos dias em que ele apenas assiste ao julgamento as cores são mais sóbrias. Hoje, por exemplo, no julgamento da reserva Raposa Serra do Sol, ele escolheu uma armação com detalhes em dourado e haste grossa marrom com alto relevo. Que combina com o terno escuro e a gravata de listras horizontais em tons de bege.

Fora do trabalho, o advogado é mais ousado. Confessou até que alguns modelos são impossíveis de usar nos tribunais.

Em um jantar em dezembro do ano passado, por exemplo, ele combinou a armação preta com haste grossa e quadriculada em preto e branco com um suéter preto de gola alta e o jeans casual.

- Tenho que usar óculos mesmo, então gosto de variar - defendeu-se. E Toffoli não gosta de usar lentes, já que tem quatro graus de miopia no olho direito e oito no esquerdo. – O meu esquerdo é meio capenga - confessou.

Ele saiu para almoçar no último fim de semana e aproveitou para usar um “óculos extravagante”, como ele mesmo definiu. Era azul e brilhante.

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Comentários.

Assim que comecei a trabalhar no blog ganhei algumas tarefas: todos os dias, às 7h, publicar a agenda do Lula; todos os dias, às 7h30, publicar a música do dia; todas as segundas-feiras, às 11h05, a agenda política da semana; e a qualquer momento vou ter que publicar também as crônicas. Mas enquanto essa hora não chega e já me sinto bem atarefada com as minhas obrigações diárias, aproveito para monitorar o que os leitores vão falar dos meus posts. É, aliás, uma das minhas partes favoritas do blog.

Ao mesmo tempo, comentário é um fantasma que me segue desde o primeiro dia em que eu assinei minha primeira materinha. Os leitores são difíceis, insaciáveis, atentos e, acima de tudo, estão sempre prontos para criticar. Quando eles discutem sobre o conteúdo do post, tudo bem, é direito e dever deles. Mas quando me questionam, chego a ficar vermelha na frente do computador. De vergonha, é claro. Ainda bem que não tenho o poder de apagar comentários. Ia me coçar muitas e muitas vezes para não agir errado.

Uma vez escrevi sansão em vez de sanção. Na hora da pressa a gente comete atrocidades. Não demorou muito e apareceu o primeiro post: "Juliana, se você não estiver falando do sansão de Dalila, então se escreve com ç. Que horror!". E eu fiquei vermelha, tremi, e alterei na hora, como se nada tivesse acontecido. Mas o comentário fica ali, para sempre, e meu erro, eternizado. Tanto é que quando cheguei em casa, à noite, foi a primeira coisa que meus pais comentaram!

Esses dias, fiz um post e o primeiro comentário era questionando algo que estava escrito no texto, mas que, para o leitor, passou desapercebido. "O sargento gay foi preso por que? Deserção ou por ser homossexual? Não acredito que você esqueceu de colocar isso, Juliana", perguntou. Quis enforcar ele, lógico. A pergunta estava respondida na primeira linha da matéria. Como não posso comentar, o que me resta é esperar a poeira baixar e todo mundo esquecer aquilo. Mas em um post com 20 comentários, por exemplo, esquecer é difícil. Nesse dia um outro leitor me salvou e respondeu bem à beça: "Que parte do 'foi preso por deserção' você não leu?". Dei um sorrisinho de canto da boca e finalmente relaxei.

Mas os meus comentários favoritos são os da agenda do Lula que, como disse, publico todo dia. O número de comentários não supera 10. São sempre as mesmas pessoas e sempre as mesmas críticas: Lula não trabalha, Lula só viaja, Lula é isso, é aquilo. É comum também colocarem Lulla ou elle ou qualquer coisa que se refira ao Collor.
Seguem uns plantonistas:

Nome: jose carlos maciel - 26/9/2008 - 8:07
A caneta que ele ganhou no dia da posse há 6 anos continua zero bala. Em compensação o aerolula logo vira sucata.

Apelido: Rutílio - 29/9/2008 - 10:44
Mas hoje, irônicamente, ele vai usar a caneta no Rio. Vai assinar o decreto sobre o acordo ortográfico e se sentir importante como nunca. Sabemos que ele não sabe bulhufas do que está assinando mas vai se gabar disso e se sentir intelectual também.

Nome: beth wolak - 25/9/2008 - 10:52
que dia inutil..falar de um pac empacado e cuba ??? tem coisa + inútil que cuba ???talvez seria bom o lula ir até lá fazer respiração boca a boca com defundo !!!istop é agenda de governante..noblat, fala s´´erio !!!é pegadinha ???vc está rindo da nossa cara ???até tu, noblat ?????

Nome: Luciane Deriquem - 25/9/2008 - 10:02
Até parece que a Reunião do PAC vai durar o dia todo. Aliás, pela manhã, elle faz o que? Tenta se curar da ressaca ?

Nome: Bruno Figueiredo - 24/9/2008 - 17:35
Agendinha xulé de sub-desenvolvido.
(Nesse dia, Lula se encontrou, em Nova Iorque, com presidente do Haiti, de Gana, e discutiu pontos do Unasul).

Nome: Eduardo Abreu Senna - 23/9/2008 - 11:29
Haja intérpretes, hein LULAQuem mandou não falar uma palavra em inglês, e não querer estudar sequer 1 ano.
(Nesse dia, Lula ia participar de um monte de evento em Nova Iorque)

Deu para perceber que eles não são muito a favor do presidente. É porque você não viu os 200 comentários revoltados quando Noblat disse em um post que votou no Lula no segundo turno das últimas eleições.

Definitivamente, adoro comentários.

sábado, 30 de agosto de 2008

Juliana Boechat, do Blog do Noblat


Sou muito ansiosa.

Quando pequena, mudei de escola várias vezes. Uma média de dois anos em cada lugar. No início era um sacrifício. Não dormia na véspera da primeira aula e me sentia completamente perdida nos novos lugares. Errava escadas e entrava em salas erradas. No segundo grau, percebi que gostava das mudanças. Na faculdade, fiquei aliviada de achar que essa constante adaptação acabaria.

Mal sabia eu que estava só começando.

Logo no 3º semestre de Jornalismo consegui meu primeiro estágio. E um ano depois, pedi minha primeira demissão. De 2006 até o meio de agosto deste ano foram quatro pedidos como aquele. Quatro dias nervosos, treinando na frente do espelho como falar com o chefe. De todos eles, só um tinha me arrancado lágrimas até então: o Ministério da Defesa.
Mas a quinta despedida, em 29 de agosto, foi a pior. A garganta fechou, o nariz doeu, e não consegui me segurar. Entrei no carro e desabei.

No caminho, lembrei do dia da entrevista no Correio Braziliense, no fim do ano passado. Cheguei bem antes das 16h, hora marcada por Samanta. Sentei no meio fio da frente do jornal, em frente à caixinha dos Correios e esperei a hora de subir para não parecer desesperada pelo estágio. Mas eu estava desesperada. Era tudo o que eu queria desde que entrei na faculdade! Finalmente peguei o crachá provisório e subi as largas escadas. Me deparei com um hall silencioso, com sofazinhos, e uma porta de vidro escrito REDAÇÃO. Ali dentro, plaquinhas de editorias pendendo do teto, "aquários" no final do corredor e tubo de ar condicionado laranja.

Perdida, perguntei à menina linda, loira e pequenininha (mais tarde virou Elisa Tecles) sentada na ponta da primeira bancada quem era Samanta Sallum. Ela me indicou uma moça alta, magra e muito bem vestida. A famosa editora de Cidades veio pelo corredor, me cumprimentou com as mãos bem finas, sentou comigo no sofazinho e começou o terrorismo: "Cidades é o pior lugar do mundo, você quer trabalhar aqui?". "Quero", eu repetia para tentar convencê-la.

E deu certo. Duas-semanas-sem-dormir depois, voltei ao jornal para assinar o contrato. I was living a dream.

A minha primeira matéria foi em Planaltina. Eu e o fotógrafo Marcelo Ferreira. Tive que escrever 50 linhas sobre uma escola pública que estava entre as 10 melhores do Brasil. Fiquei tão nervosa em escrever a matéria certa, que ficou muito ruim. Nem me lembro como escrevi tudo aquilo. (Não tenho coragem de ler a matéria até hoje).

Mas depois tudo melhorou. Ia toda semana à Planaltina, Taguatinga, Ceilândia. Subi o morro de São Sebastião, ouvi histórias de muitas pessoas, comi em restaurantes esquisitos em lugares esquisitos e torrei no sol. Fiz plantão no IML e fiquei impressionada com a quantidade de menino algemado, fui para o meio do entulho, tomei chuva e voltei para o jornal com a calça molhada até o joelho e andei de lancha. Fui em escolas em que os diretores são ameaçados de morte diariamente, conheci o embaixador da Itália, corri atrás do Arruda, fiz matéria de trânsito, cacei personagens impossíveis, ajudei em matérias aterrorisantes e participei de um caderno especial. E conheci repórteres sensacionais.

Guilherme Goulart, repórter de polícia, sentava do meu lado. Me chamou um dia e cortou os "jás", "ques" e deu forma ao meu texto. Renato Alves, repórter especial, me aconselhou a não conviver só com jornalistas, corrigiu meus textos, me pressionou, me criticou e me elogiou. Adriana Bernardes me pedia os personagens mais impossíveis e eu ficava orgulhosa em encontrar todos. Helena Mader, me ensinou tudo sobre a bagunça de regularização dos condomínios e me deu autonomia. Roberto Fonseca me enviava para pautas legais e acreditava que eu conseguiria. Carlos Tavares gritava comigo e depois vinha conversar. Torreão só gritava. E assim eu aprendia.

Também aprendia a gostar de tods essas pessoas. Aos poucos, elas perderam os sobrenomes. Guilherme, 30 anos, parecia ter 12. Fazia piadas o dia inteiro. Renato, se fingia de bravo e ranzinza, mas é um amor. Adriana tem o sotaque mineirês mais engraçado e fala palavrão o dia inteiro. Helena "é um guri". Gizella gosta de baixaias. Paixão, de Gates. Pablo, João, Leilane, Gabriel... Depois Diego, Lívia e Lúcio. Eu só conseguia, com olhar de paisagem, gostar de tudo aquilo e ficar orgulhosa de estar ali.

Mas mais uma vez chegou a hora de mudar. Com um aperto no peito, não volto na segunda-feira, às 13h, para a reunião de pauta. Vou trabalhar com política e correr outros riscos, ter outras experiências. A insegurança e ansiedade foram amenizadas pelos desejos de boa sorte e abraços das pessoas que se tornaram tão especiais. Até mesmo das que eu menos esperava o retorno. "Juliana, boa sorte, porque o talento você já tem".

Mais uma vez vou ficar sem dormir na véspera. Mais uma vez vou ter que começar tudo do zero. Mais uma vez estou ansiosa. Mais uma vez meu coração fica apertado, torcendo para tudo dar certo. Mais uma vez desabei em lágrimas. Mais uma vez vou sobreviver a tudo isso.

terça-feira, 26 de agosto de 2008

Becos - Ceilândia


Juliana Boechat - Estagiária do Correio Braziliense
Parte da matéria de Guilherme Goulart publicada em 27 de agosto de 2008
Foto: Cadu Gomes


Ceilândia é a região administrativa com o maior número de becos desocupados. Há 338 nas mais variadas situações. O balanço da Codhab identificou, por exemplo, que 64 apresentam alguma irregularidade e poderão ser retomados pelo governo local. Aqueles que poderão receber edificações seguirão o PDL da cidade. A norma prevê que os espaços ociosos do centro urbano mais populoso do DF recebam, com prioridade, novas unidades imobiliárias. Mas há também projetos de revitalização e uso comum, como construção de praças.

Os planos urbanísticos locais passam pelas QNO, QNP, QNN e QNM. A maioria dos becos fica nas duas últimas. Há 213 desocupados e 53 com algum tipo de construção. Entre eles, a do marceneiro Cisto Alves Duarte, 64 anos. Ele mora de favor no Lote 13, Conjunto D, da QNM 4. Ao lado da casa dele, há um beco abandonado, o 13A. À primeira vista, lembra reduto de entulhos dos mais variados tipos. Mas o local acabou transformado em ambiente de trabalho há 25 anos.

O autônomo usa o lugar pedaços para estocar pedaços de madeira recolhidos na rua. Quando o material está do tamanho certo, sem pregos, ele coloca na caçamba da Kombi e leva a restaurantes com forno à lenha. Cada montante vendido rende R$ 100. Cisto sabe da proibição de trabalhar na área pública. Por isso, pensou em construir um galpão regularizado junto ao GDF. Cumpriu todas as etapas, e os vizinhos ainda aprovaram a presença dele no local. Mas não conseguiu juntar o dinheiro necessário para a conclusão do projeto. "Eu ganho pouco. A prioridade é comprar comida", justificou.

Assim, em vez do galpão, o marceneiro cercou o terrenos com arame. No espaço tem de tudo: latas de tinta vazias, colchões, um canteiro com flores roxas e um vira-lata para proteger o material. Segundo ele, não há perigo. Ele também fica de plantão até meia-noite para garantir que ninguém vá colocar fogo na madeira. Cisto também admitiu não vê problemas caso o lote seja retomado para a construção de um imóvel. "Quando quiserem construir casa aqui, eu limpo tudo e saio, sem problemas. Mas, enquanto eu puder, vou trabalhar neste beco", disse.

Becos - Taguatinga















Juliana Boechat - Estagiária do Correio Braziliense
Parte da matéria de Guilherme Goulart publicada em 27 de agosto de 2008
Fotos: Cadu Gomes

É fácil encontrar becos abandonados e malcuidados em Taguatinga. O espaço entre as casas 13 e 15 do Conjunto C, na QNM 42, tem montes de entulho e lixo espalhados pelo chão. Um dos moradores da rua colocou fogo na grama há poucos dias para aumentar a segurança. A dona da casa 15, Luciane Alessandra da Silva, 32, também presenciou várias tentativas da população de recuperar a área. "Pelo menos, conseguimos cortar a grama. Antes, era difícil enxergar uma pessoa no beco devido à altura do mato", afirmou.

Uma das portas da casa de Luciane fica virada para o beco. Quando ela precisa entrar pelos fundos, tem medo de assaltos. "Não tem iluminação. Olho várias vezes antes de entrar no lote para garantir que está vazio", contou. Ela defende a iniciativa do GDF em ocupar a região. "Não podemos usar mesmo, então é melhor construir algo ali. Dá mais segurança, pelo menos", avaliou. Segundo ela, várias amigas foram assaltadas em outros becos do conjunto nos últimos meses.

A história do beco do Conjunto A, da QNM 38 de Taguatinga é um pouco melhor. O espaço chama a atenção pelo contraste. Um lado tem cascalho e mato. O outro conta com um jardim. Há alguns anos, um policial militar tentou levantar um imóvel no lugar. Mas a construção acabou demolida pelo governo local em 2003. A partir de então, os dois vizinhos se responsabilizaram pela manutenção da área. Segundo a moradora da casa 33, Ronalda da Silva Ramos, 53 anos, vizinha ao beco, antes o mato era alto, cheio de lixo e entulho. "Agora, pelo menos os jovens não se reúnem para usar drogas", disse.

Quando Ronalda se mudou para a casa, há dois anos, a região era perigosa. A porta da casa tinha marcas de tiro. Também havia roubos de carros na rua. Colocou, então, telha no quintal para impedir pessoas de pularem para dentro da casa dela. "O cheiro era insuportável. Tinha até um sofá no meio do mato para as pessoas usarem drogas." Ronalda agora até ajuda a manter o beco bem cuidado e com mato cortado. "Às vezes, fico o fim de semana todo limpando o terreno. Mesmo assim, algumas pessoas continuam jogando entulho e lixo", reclamou.

Becos - Gama


Juliana Boechat - Estagiária do Correio Braziliense
Parte da matéria de Guilherme Goulart publicada em 27 de agosto de 2008
Foto: Cadu Gomes

Os 200m que unem as ruas da Quadra 30 do Setor Oeste passaram por várias transformações. Os entulhos deram lugar à calçada, cerca viva e um jardim com árvores floridas. Tudo resultado de um mutirão organizado pela prefeitura comunitária há três anos. Antes disso, os moradores locais conviviam com a insegurança. A manutenção hoje é feita pelo jardineiro João Porsino de Almeida, 63 anos. Há até arcos de trepadeiras nas passarelas. "Tudo aqui foi feito pelas minhas mãos", orgulha-se.

Situação diferente ocorre na Quadra 1, do Setor Leste. A capela Santa Luzia tomou conta do Lote 30. Mesmo assim, os moradores da rua apóiam a presença do templo. "A capela quase não funciona, mas não perturba", contou. Em frente à capela, há outro beco. Mas abandonado, o que faz com que a comunidade reclame da bagunça. No início da tarde da última sexta-feira, homens bateram boca e gritaram no local. Um dos vizinhos da igreja, que não quis se identificar, se disse cansado. "É sempre assim", lamentou.